Capítulo 9

Todos sonham nesta noite, uma mescla de sonho com pesadelo, uma confusão entre medo e coragem, havia escuridão aos poucos na imaginação alva, lobos devorando coelhos, ovos de rouxinóis chocando, cadáveres perecendo e papoulas desabrochando.
Pingos de escarlate caem do céu desconhecido na lagoa mais pura e límpida.
A inocência é desvirginada, gritos de horror ecoam em seus inconscientes, a escuridão transborda deixando mais nada além dela.
Olhos gigantes sem rosto aparecem, suas pupilas eram finas como de um feroz leopardo e suas íris, amarelas flavescentes.
Uma voz sobrenatural que pressiona suas consciências diz algo...

TOC!! TOC!! TOC!!


Vocês acordam.


– Guarda Real de Midland! – Uma voz firme, porém desconhecida que vinha do outro lado da porta.

Vocês não entendem como os acharam e por que procurariam, mas certamente seus nomes circularam bastante pelos guetos ao ponto de chegar à realeza após os feitos do dia anterior.


Solaire levanta-se e abre.


– Viemos escoltá-los até Midland, o Rei deseja vê-los, aguardaremos aqui fora enquanto se arrumam! – Dizia o capitão da tropa que carregava um enorme e bem armado bigode.


Vocês olham para o lado de fora e em uma contagem rápida dava para dizer que havia mais de 15 soldados, todos trajados com armadura real, estavam a cavalo, contando com mais cinco cavalos sobrando, certamente um era do capitão.

Não havia muito o que arrumar. Calçou as botas e jogou o pequeno saco com seus pertences nas costas, apanhou o machado - segurando firmemente pelo cabo - então prostrou-se frente a porta e o capitão por alguns instantes, o encarou mas nada disse de imediato - não houveram apresentações por parte do capitão e a primeira vista, não tinham um tom amistoso no entendimento de Khatar. Era o mínimo que se esperava, decidiu então falar.

- Sou Khatar, mas deve saber o meu nome e o nome de todos os demais de nossa comitiva. Assim como já deve ter uma história acerca de nossas últimas ações.

Atravessou o batente logo em seguida, onde aguardaria seus companheiros do lado de fora, seria bom ter alguém de prontidão caso aquilo fosse um embuste. De qualquer forma, iriam para Midland, mas não estava esperando uma comitiva ou escolta para que fossem encaminhados. Era um número grande de soldados - com a memória fresca do dia anterior, até pensou em combate - mas as coisas eram diferentes. A besta de ontem não tinha a mesma capacidade cognitiva de Viribus, mostrou alguma inteligência, mas ainda reagia aos ataques e a dor, não formulou planos - seria muito diferente enfrentar uma comitiva de soldados reais, com armas melhores e armaduras completas. Afrouxou a mão do machado e permaneceu com seu silêncio.

- Talvez estudiosos do reino queiram a carcaça da besta que deixamos.

Claramente referindo-se ao dragrão que tinha sido derrotado. Ele não lembrava das armaduras, mas certamente um destacamento de soldados esteve presente no combate e foi completamente dizimado pela fera, se fossem soldados de Midland, com certeza saberiam muito bem de tudo o que aconteceu e por isso tivessem mandado tantos soldados mais.

Havia se ajoelhado inicialmente, quando o rei foi anunciado. Mas ao ver quem era essa figura, ergueu-se rapidamente - tinha o machado em mãos ainda. Os soldados não tinham removido suas armas para a presença do rei - o que poderia ser um erro grave, se fosse com alguém mal intencionado para a ocasião. Um erro claro da parte dos soldados, já que tinham derrotado um ser bestial no dia anterior - ao mesmo tempo que tinham receio de lutar com uma grande quantidade de soldados, esses próprios soldados poderiam também estar com receio do tratamento oferecido à comitiva.

Manteve o rosto alto e encarou Griffith, não confiava no mesmo e perdera muito do que se relacionava à sua confiança nos últimos dias. Muita coisa tinha acontecido e uma delas, era que tinham sido enviados para um corredor aparentemente sem saída e se Viribus estivesse falando a verdade, foram enviados para a morte. Olhou para Ka, Oscar e Solaire - e entendeu de forma clara poderia colocá-los em dificuldades pelo quer que decidisse fazer, então tomou a frente com alguns passos - tomando uma distância de seus companheiros.

- Jurei lealdade à pessoa do rei de Midland, vejo que uma pessoa diferente ocupa o trono. Não é o filho do rei, ao qual nossa comitiva aparentemente falhou em regastar. Mas seu general.

Com a movimentação de Khatar sugerindo perigo ao rei, os soldados da guarda real estendem suas lanças e espadas. Griffith acena e com um movimento singelo de sua mão os guardas voltam a formação original com suas armas guardadas.

– Quanta petulância, tu deves respeitar o rei! – Dizia irritado o capitão da guarda real para Khatar.

– Não se preocupes! – Disse Griffith ao capitão com um sorriso simpático.


O rei caminha a passos lentos e serenos até vocês.


"Droga, como isso foi acontecer?", pensava Solaire fadigado, seu corpo não aguentaria um combate com os soldados mais habilidosos de Midland.

"Por que ele nos trouxera para cá?", refletira Oscar, olhou para Khatar e Chris Ka, sentia que iriam ter grandes problemas.


Então, Griffith para próximo a vocês.

Com um sorriso de satisfação, diz – Estou tão contente que tenhais sobrevivido a expedição. Acreditei por um momento que eu fora o único sobrevivente, estive muito infeliz com meu fracasso e com a perda de meus companheiro de batalha! –, olha com apreço para Oscar e Solaire, depois volta a olhar para todos – Mas vós estais aqui, ainda bem! –, faz uma breve pausa e retoma – Tanta coisa aconteceu depois daquilo... assim que nos separamos, fomos pegos de surpresa por uma trupe de criminosos fugitivos, apenas eu consegui ficar vivo, lá encontrei o corpo do principe queimado –, com semblante sério, tirou do bolso um medalhão de ouro com a insignia de um leão que só membros da família real de Midland portam – Ele carregava isso, por isso sei que era ele, infelizmente, eu, General da Fênix Branca, tive que levar a notícia que a expedição fora um completo fracasso, o Rei Fritz sofreu muito com a notícia... Reconhecendo que esse mundo era cruel e a vida dura pouco, havia decidido me casar com a Princesa Charlotte imediatamente para que pudesse honrar meu amor a ela... –, faz uma nova parada, sua voz parecia um pouco amargurada, olhava para o chão – a grande tragédia veio logo em seguida de nossa consumação do matrimonio, o Rei Fritz teve um ataque cardíaco e faleceu devido ao seu sofrimento de perder o filho. –, volta a olhar para os heróis – Por questões regimentais, eu tornei-me no único herdeiro ao trono, por isso, Khatar, eu sou o rei de Midland agora!



A notícia era carregada com tantos detalhes que parecia verídico, "Esse filho da mãe é um grande ator!", pensava Oscar enfurecidamente.


– Boatos chegaram até Midland que quatro guerreiros venceram um grande demônio alado que jorrava fogo, seus nomes foram mencionados, isso é verdade? – dizia Rei Griffith intrigado, prossegue – Estranho algo assim acontecer, nunca pensei que monstros existissem de verdade... uma coisa que me atiça curiosidade também, o que aconteceu com aquela montanha? Soldados fizeram varredura pelo local e viram que a montanha do pico cabeça de cobra não existia mais, sabeis algo sobre isso?

A história de Griffith era muito mal contada - mas dentro de um governo autoritário, onde tinha o apoio de todas as tropas - aquilo poderia ser o quanto mais absurdo quisesse, ainda assim teria apoio e ninguém ousaria contrariar sua versão dos fatos. Khatar se sentia travado com relação ao confronto, sabia que suas palavras poderiam prejudicar seus companheiros e para que pudesse confrontar o homem, precisava de desvenciliar de sua comitiva. Tinha receio em falar, mas ver um reino cair em perdição era uma questão bastante pessoal para o guerreiro e isso o fazia agir até mesmo de forma irracional, desde o que o levou a seguir uma vida errante, depois de suas falhas com relação a Monte Ferro. Ouviu Chris Ka falar e dar sua explicação, isso seria o suficiente para desafiar o novo rei e tentar causar alguma situação na frente de outras pessoas, faria o que fosse possível para que pelo menos alguma dúvida fosse gerada, assim como, ao mesmo tempo tentaria evitar que seus companheiros fossem envolvidos em sua investida - mas claro, ficariam à vontade para se unir ao mesmo, já tinha confiança nos três - pelo pouco tempo que passaram, mas pelas dificuldades enfrentadas, eram seus irmãos em armas e não deixaria que fossem prejudicados devido ao seu incômodo pessoal.

- Não sei com relação aos demais, mas sim... Eu sei algo sobre isso.

Não teriam informações sobre o que aconteceu dentro da montanha, a menos que Viribus - depois de tudo - estivesse do lado de Griffith. O que eles sabiam e que poderiam saber, era do combate contra o dragão de fogo. Os quatro lutaram com suas vidas, derramaram sangue e fizeram o impossível naquele momento. Houveram testemunhas do feito, então as perguntas só podiam ser um jogo. A informação já tinha sido obtida pelo novo rei e não importava muito o que dissessem com relação a isso - talvez a primeira pergunta fosse apenas uma forma de validar a segunda. Se respondessem corretamente a primeira pergunta, pode ser que estivessem também falando a verdade com relação a segunda e tentaria ao máximo usar isso ao seu favor.

- Sim, derrotamos uma besta que expelia fogo. Um dragão. Uma criatura que deveria estar reservada apenas a histórias de crianças, embora destruiu todo um vilarejo e matou um destacamento de soldados com uma baforada de terror em forma de fogo. Mas foi somente aí que encontrei novamente meus companheiros aqui presentes... Antes disso, encontrei uma outra criatura que faz a sua história sobre o príncipe e o rei parecerem algo crível.

"[...] Antes disso, encontrei uma outra criatura que faz a sua história sobre o príncipe e o rei parecerem algo crível."

Mais uma vez se incomodava com a situação, mas diante da clara desvantagem - seria melhor aguardar e ter uma melhor noção do que iria acontecer antes de tomar qualquer atitude física, visto que, através de palavras já teria provocado alguma reação. Ficou satisfeito ao ver que seus companheiros ainda continuavam do seu lado, mesmo diante de uma situação desagradável.

- Fomos convocados e deve ter um motivo. O que quer? Contamos nossa história, mas como imagino, você já deve ter sua versão de tudo.

Manteve-se firme, segurava sua arma, mas sem ameaça e não tinha planos de aceitar aquela situação. Poderia ser o início de algo bastante ruim - mas não tinha escolha, estava em seu ser agir daquela forma e foi para isso que deixou seu reino, para redimir-se e fazer as coisas da forma correta, mesmo que as coisas da forma correta lhe rendessem uma flecha nas costas.

"Fomos convocados e deve ter um motivo. O que quer? Contamos nossa história, mas como imagino, você já deve ter sua versão de tudo.", disse Khatar, suas palavras apresentaram um tom de petulância e de insubordinação que incomodaram Rei Griffith, ele dá de costas a vocês e se afasta em passos lentos, após uma pequena distância vira-se, seu olhar estava diferente, era como um olhar de um predador encarando sua presa.

– Eu sei que vós fostes os responsáveis pelo surgimento do dragão, meus informantes contaram que uma criatura colossal de asas saíra de dentro da montanha, o que explicaria as ruínas dela, e se trata da mesma descrição da criatura que incendiara a vila, porém menor. Os eruditos disseram ser Viribus, que, agora, liberto, amaldiçoa a nossa terra. Vocês tiveram a chance de contar a história verdadeira, mas esconderam de seu rei e soltaram um titã a este mundo, por isso, pagarão pelo crime, serão sentenciados a prisão perpétua por alta traição. SOLDADOS, PRENDAM-NOS!

Os soldados rapidamente estendem suas armas, não era possível reagir, tinham que aceitar para viverem.

Ao longo das terras de Midland uma prisão muralhada era cercada pelo mar com tubarões, havendo uma única passagem, uma longa ponte que conecta a estrutura a terra, mas quase sempre a ponte fica erguida. Por dentro, os maiores assassinos, ladrões, estupradores, prisioneiros políticos, malucos e grandes pecadores, todos juntos sofrendo atrás das grades, os soldados tinham total liberdade para fazerem o que quiser como punição, ali, eles eram deuses, divindades violentas que sentiam prazer com o sofrimento alheio. E vocês estavam nesse meio agora.


Suas armaduras e armas foram tiradas de vocês, deram-lhes vestes fedidas que mais pareciam sacos de batata, vocês quatro estavam juntos na mesma cela, era estreita, escura, mofada, totalmente de rocha um pouco umedecida, havia varredura de guardas frequentemente e alguns sentinelas que ficavam parados de prontidão.


[...]


– Griffith traçou um plano perfeito, infelizmente caímos na sua armadilha... – Dizia Solaire olhando para a parede.


– Droga! – Reclamava Oscar consigo mesmo – Como sairemos daqui?

Foi pego na situação, mas de qualquer forma não esperava uma reação muito diferente dessa. Sabia que Griffith já tinha planos de matá-los na caverna, ele deixou isso bem claro - dado o caminho que os fez seguir e aparentemente ficariam presos para sempre na cavera, se não fosse o acaso de tentem encontrado uma saída para a prisão de Viribus, só que agora como Rei de Midland, não poderia fazer isso dessa forma tão direta - pois, talvez, levantaria alguma suspeita e mesmo assim era estranho, pois pela forma como tomou o poder, não se importaria muito com as suspeitas, poderia ser mais difícil de governar, mas no fim das contas ainda estaria em uma posição de alto privilégio e com todo o exército do seu lado. No fim das contas, era palavra contra palavra e querendo ou não, havia testemunhas de sobra a respeito do valor e índole dos guerreiros - saíram de seu caminho para derrotar um dragão que estava aterrorizando um vilarejo. Até então, não haviam provas reais de que aquilo era um feito de Viribus, o que podia muito bem ser também - já que o titã dragão desapareceu completamente após o incidente na montanha - agora seria um bom lugar e hora para que ele aparecesse mais uma vez.

- Desculpem pela forma como agi, mas mesmo se eu estivesse ficado quieto - acho que estaríamos nessa situação de qualquer forma.

Disse brevemente para seus companheiros e abriu um sorriso fraco com o comentário de Ka a respeito dos dejetos. Não era uma preocupação iminente, mas poderia ser. Era bem possível que passassem muito tempo ali até o ponto de que isso realmente se tornasse um problema. Mas não tinha a intenção de ficar preso, não tinha a intenção de permitir que Griffith seguisse com seu plano. Não teriam muito apoio de fora, então era necessário que se cuidassem ali dentro e tomasse a iniciativa.

- Vamos sair daqui. Vamos conhecer os guardas e os sentinelas. Roubamos as armas e fugimos, faremos o possível para que nenhum deles tenha que morrer.

Caminhou um pouco pela cela, olhando ao redor e procurando por algum tipo de ponto que pudesse ser usado para a vantagem do grupo. São somente, mas tentou prestar atenção na rotina dos guardas e em como os sentinelas se comportavam. Se por algum momento tinham a atenção diminuída ou ficavam em um campo de visão cega para os demais.

Solaire, após ouvir os comentários de Chris Ka sobre fazer necessidade, começa a bater na parede com o punho fechado – Fomos rebaixado a animais, onde está a dignidade? –, questiona mal-humorado, não parecia ser o homem alegre de antes.

Khatar estava ressentido pelo ocorrido, acreditava que parte de tudo que ocorreu era sua responsabilidade, mas Oscar se aproxima e coloca mão em seu ombro – Não se preocupe, companheiro, tudo já estava planejado para acontecer da forma que aconteceu, nada disso é culpa sua! Chris Ka está certo! –, dizia seriamente, então vira-se a todos e em tom de austeridade falara como o Oscar de antes apresentava ser – Nós vamos sair daqui e iremos levar a verdade a todos, nós soltamos um titã e matamos um dragão, um ser humano não pode nos impedir! –, suas palavras tinham força e convicção, palavras que animam os espíritos abatidos pela situação.



Vocês então observam o cenário:


* As grades eram resistentes, não é possível quebrar e nem torcê-las, mas elas possuem abertura suficiente para passar um braço inteiro para o lado de fora;

* Por dentro o som das paredes indicam alta espessura, não seria um processo rápido escavar uma saída;

* O interior é pequeno, mas a fraca iluminação do ambiente não permite enxergar o final da cela que se encontram, a menos que estendam uma tocha em frente ao portão;

* Há umas três pedras pequenas no espaço, incapazes de usar como arma ou torcer a grade;

* Suas roupas são de tecido vagabundo que descostura facilmente;

* Já há no interior algumas fezes velhas, duras, nem fedem direito;

* Os guardas rondam entre turnos de 12 horas aparentemente: Não dá para saber quando é dia ou quando é noite;

* Depois da ronda há uma troca de guardas e ficam uns 10 minutos ausentes de ronda, restando apenas os guardas fixos, dentro do campo visual vocês encontram 2 soldados, eles ficam a maior parte do tempo numa sala fechada, provavelmente a acústica não permite eles ouvirem sons medianos;

* Os soldados da ronda são em torno de 4;

* A comida é uma sopa servida num baúde, não há talheres;

* Há alguns trechos mal iluminados naquela zona de celas.



O que vocês farão? Será que com as informações que possuem será possível fazer alguma coisa? Será que sairão dessa?

- Parece que a ideia é realmente fazer com que todos nós sejamos esquecidos aqui, morrer na escuridão.

Khatar continuava prestando atenção ao redor, como desde que entrou caminhava pela cela, olhava ao redor inquieto e procurando por qualquer coisa que pudesse ser usado para a vantagem do grupo, da forma que fosse. A rotina dos guardas parecia não mudar muito e das observações feitas até esse momento, o local era impenetrável com as ferramentas atuais.

- Se conseguirem chamar a atenção de algum deles, posso tentar segurar. Pode ser que realmente eles não andem com chaves por aqui, mas se for esse o caso - podemos ao menos tentar causar algum tipo de situação que venham até aqui abrir a cela para algum tipo de punição e aí, aproveitamos a oportunidade.

Era estranho ouvir o guerreiro falar dessa forma, mas talvez estar enjaulado mexesse um pouco com a sua cabeça - era melhor, diante da situação que se encontrava, estar morto ao estar preso. Não aparentava desespero, mas era claro para seus companheiros que dividiram dias com o mesmo, que estava sendo claramente afetado pela situação.