- ELRIC + KATE:
Sob a árvore, sentada na terra fria, Mayhem percebeu a aproximação de Elric apenas quando o Clérigo já estava ajoelhado diante dela. Secando suas lágrimas e se dispondo a ouvi-la. Havia nos olhos celestes do homem uma ternura que a garota não se lembrava já ter visto fora dos olhares dos familiares uns para os outros. Eram olhos que abraçavam. Sentindo-se perdida e massacrada por aquela realidade temível, Mayhem jogou-se nos braços do Clérigo, aos prantos, superando a timidez envergonhada de que se revestia: o mundo ruía aos seus pés e não achava realmente que alguém que não tivesse crescido com as histórias e terrores que ela cresceu pudesse entender.
Mas Elric a salvaria... não é?
- Elric, por quê? Por que os deuses justos do nosso mundo permitem que atrocidades aconteçam com pessoas boas? Os drow sequestram crianças, raptam garotas e... Nalklyr tem olhos humanos, Elric! Por que os deuses permitem tamanho flagelo sobre nós? - o coração do homem batia forte contra o peito, despido da armadura, e Mayhem se aninhava a ele como se quisesse nunca mais sair de seus braços - - Nós não somos especialmente hábeis, como os elfos, ou de forte constituição como os anões. Não temos a astúcia dos gnomos nem a agilidade dos halflings. Somos apenas... criaturas insistentes, teimando em prosperar contra as adversidades de um mundo que não nos acolhe. Os deuses odeiam os Humanos, Elric? Por que permitem que nossa linhagem seja profanada e nossas crianças sejam geradas da violência, em túneis escuros longe do sol?
Ele era um clérigo. Talvez pensasse nela como herege ou blasfema... mas quem melhor que um campeão divino para trazer luz às trevas que oprimiam seu coração de menina? Com delicadeza, Elric enxugava suas lágrimas e, as palavras continuavam saltando da boca da pequena e desolada moça, que não conseguia parar de pensar nos olhos do meio-humano.
- Eu preferia não saber... preferia ignorar que sob nossos pés choram os filhos daquelas crianças por quem o Mar da Lua jurou uma vingança que jamais chegou ao Underdark. Perdidos em disputas ridículas entre nós, nos enfraquecemos diante de um inimigo poderoso e maligno. Mas, agora que eu sei... É responsabilidade dos que sabem fazer algo pelos que não sabem. É responsabilidade dos que conhecem fazer algo a respeito das atrocidades. Eu... sinto que devemos isso a eles. A essas crianças. Que nunca poderão ser Humanas, mas não deveriam sofrer sob as botas de seus pais, criminosos e imundos.
O silêncio cresceu entre eles, pontuado pelos soluços desconsolados de Mayhem, mas não demorou para que Elric tomasse a palavra:
- Sei que estas criaturas são mais cruéis e malignas, mas homens também cometem estes crimes. Os Deuses possuem suas batalhas entre si para a manutenção do equilíbrio, sei que parece e é crueldade. Mas estes eventos lastimáveis são necessários para que nos lembremos de ser sempre vigilantes e estarmos preparados para os dias sombrios. Pois, não saberíamos dar valor aos momentos bons como este que estamos passando agora. Se não houvessem as dificuldades.
"Momento bom? Estamos reunidos para um enterro onde eu me deparei com um drow de olhos human----" - o Clérigo deslizou a mão pelo cabelo da garota, contornando seu rostinho em um carinho enquanto secava uma lágrima que corria por suas bochechas. E então a puxou carinhosamente para junto do peito, aconchegando-a melhor ao seu corpo forte, fazendo com que Mayhem relaxasse os ombros e suspirasse profundamente - "Sim... Ter alguém com quem dividir os momentos ruins é algo a se celebrar. A sabedoria da Grande Lliira sorri para você, Clérigo de Tyr" - a moça apoiou-se contra o peito do homem, respirando bem fundo.
- Mas estas mulheres são vistas pelos Deuses como mártires. O crime deve ser punido, mas o fruto do crime deve ser protegido e levado para o caminho do bem. O filho não deve ser punido pelos crimes dos pais, bem como os pais não devem ser punidos pelos crimes do filho. Os crimes são apenas daquele que o comete.
Mayhem estava pronta para dizer que sim, e que aquele é um dever que tinham: resgatar essas crianças das mãos dos ignóbeis drow... quando Elric deu um beijo carinhoso no alto da cabeça dela. A moça sentiu todo seu corpo se arrepiar a partir do local onde os lábios do Clérigo a tocaram, e quando ele a envolveu com aqueles braços fortes, Mayhem não teve forças para mais nada, além de se deixar aninhar por ele. Alguma parte muito tímida da mente da moça gritava que ela estava no colo daquele homem e deveria sair correndo, mas a baixinha apenas pousou uma das mãos no peito de Elric, sentindo aquele coração bater cada vez mais rápido a medida em que se permitia deslizar suavemente o toque para baixo e para cima, dedilhando os músculos dele. O choro já havia praticamente cessado. Mas não a determinação. Jamais.
Aninhada feito uma gatinha manhosa aos braços de Elric, a jovem suspirou algumas vezes com os carinhos que ele fazia por suas costas e seu rosto. Mas talvez ele achasse que ainda eram suspiros de tristeza. O que era possível. O conflito de sentimentos era grande na mente da garota naquele momento, tanto que nem se lembrou que poderiam ser vistos pelos que estavam na casa. E mal-interpretados. Elric não era namorado de Rachel?
Quando ergueu o rosto para talvez questioná-lo sobre isso, deu com ele muito perto. Seus olhos se cruzaram, e o coração do rapaz disparou sob o toque da mão dela, fazendo Mayhem perceber que não era a única a sentir aquele BOOM CLAP marchando no peito. Moveu-se lentamente, buscando um melhor apoio, sabendo que esfregava seu corpo no dele ao faze-lo, o que a deixou instantaneamente corada. Seus rostos se aproximaram e Mayhem fechou os olhos, tremendo suavemente com os arrepios que a respiração dele próxima aos lábios dela provocavam. Ela nunca havia sido beijada, mas sabia como deveria acontecer - tinha três irmãs mais velhas, afinal.
Mas Elric não a beijou.
Com o coração aos saltos, ela virou o rosto e deu um beijo na bochecha do Clérigo.
- Euprecisoirevocêprecisaentrareversuagarotaesaberseelaestábemeexplicarquenãohouvenadae... - Mayhem se interrompeu, saltando de pé, para longe dos braços de Elric. Estava falando tão rápido quanto um gnomo!
Gentil e cavalheiro, Elric insistiu em acompanhá-la onde pretendia ir, mas a garota - após insistir um bocado - convenceu o Clérigo a encontra-la em Melvaunt na manhã seguinte:
- Não se esqueça, euvouestarnacasa da Kelly. Não deixe quetentemtedesviar para a casa dasoutras! Cada uma moranumdistrito diferente. E Kimberly, por Lliira, mora do outro ladodacidade! - aquilo não era relevante e ela sabia. Estava apenas ganhando tempo, para acalmar seu coração, parar de falar como um gnomo e despedir-se de Elric.
Ele sorria para ela, e o mundo inteiro parecia se iluminar ao redor dos cabelos escuros do homem.
- Tenha muito cuidado Kate... Não sei o que seria de mim se acontecesse algo com você. - o Clérigo a beijou no rosto e o coração de Mayhem acelerou no peito novamente, como asas de um passarinho.
"Vai ser impossível me acalmar se continuar aqui!" - ela ficou na ponta dos pés e, puxando-o para si, encostou a testa na testa de Elric, acariciando o nariz do homem com seu narizinho de fada delicada.
Então disparou pelo caminho, virando-se uma vez para trás, surpreendendo-se ao perceber que ele a olhava. Quando o Clérigo acenou para ela, soprou para ele um beijo, repreendendo-se mentalmente por isso logo após - "oras mas que diabos foi isso?" - sua timidez ganhava força a medida que seus pés ganhavam velocidade. E Mayhem correu, rindo e corando como uma criança.
Na manhã seguinte, Mayhem acordou cedo - ninguém que tivesse tantos sobrinhos dormia por muito tempo - mas Kelly já havia saído para o açougue. Katherine e o marido trabalhavam com alfaiataria e armaduras de couro, no distrito ao lado. E Kimberly havia feito o tal "bom casamento", tendo agarrado um comerciante de bebidas com um
golpe da barriga. Mas, apesar de as outras irmãs terem melhores condições, Mayhem era mais próxima de Kelly - que fazia uma comida horrível e um café ainda pior, mas tinha um grande senso de humor.
Esperou pelos companheiros do lado de fora da casa, tendo passado o fim da tarde e boa parte da noite trabalhando em algo para eles. Quando viu o grupo de se aproximar, trancou a casa, deixando a chave no local de costume e foi ter com eles na calçada. Elric parecia feliz em vê-la, o que ela retribuiu com doçura tímida, tocando levemente a mão do Clérigo em um aperto com sua mãozinha pequena, bem discretamente, soltando-o em seguida.
Então, foi interpelada pelo bardo, que apresentou-se aos galanteios, fazendo-a corar violentamente até a raiz dos cabelos azuis, oculta sob a franjinha. Apenas gaguejou algo, não chegando realmente a responder nada, pois logo foi abordada pelo meio-humano, que trazia um saco com o que pareciam ser as moedas que abandonou na noite anterior. Mayhem fez questão de aproveitar-se de sua baixa estatura para olhar Nalklyr por baixo do capuz ao aceitar o dinheiro.
"Olhos humanos". Havia uma determinação cintilando nos olhos da mocinha, mas ela nada disse, apenas acenando uma reverência curta com a cabeça. Aceitou as gemas que ele ofereceu, pedindo que as avaliasse e vendesse. Ganharam as ruas já agitadas da cidade, acompanhados pelo lindo cão de armadura que parecia pertencer ao Mago (havia chegado com ele no pégaso, afinal), com o qual Mayhem ficou conversando e fazendo carinhos. Balto e Milty estavam por ali também. Os pais das crianças moravam na cidade. Talvez estivessem apenas sendo prestativos, mas logo fossem para casa? Mayhem esperava que sim.
Passar pelo Mercado era sempre interessante e foi ali que a jovem se separou momentaneamente do grupo:
- Retorno com o dinheiro. - a moça colocou o capuz e sumiu antes que pudessem questionar. Vendeu as gemas por um preço que achava absurdo, mas sob a promessa de que os comerciantes em questão avaliaram uma proposta de seus sistemas de segurança. Alcançou o grupo novamente já no Mercado Vivo, chegando bem a tempo de impedir que Elric sacasse a espada bem no meio de um leilão. Seus olhos verde-musgo olhavam fixamente para os olhos do Clérigo, que se deixou convencer a não agir de forma drástica. O meio-orc parecia ultrajado com algo, mas a garota não estava ali quando o que quer que fosse aconteceu. Apenas guiou os companheiros para fora da praça, com ajuda dos gêmeos halfling, pensando que Elric tinha razão: os Humanos eram bastante cruéis por si mesmos.
Diante da casa do Mago Stonehard, o Clérigo buscou identificar se havia criaturas vivas no interior da construção, em especial após uma sombra aproximar-se da janela da segundo andar. Por sua vez, Galadon sacou de uma varinha, e - após conversar em uma língua desconhecida com a guerreira elfa (que Mayhem supunha que pudesse ser a linguagem natal da moça), procurou criar algum tipo de efeito que desse ao dono da casa a ideia de que eles eram bem-vindos. Rachel observou, com certo grau de acerto, que a mansão parecia um mausoléu. A mão que a belíssima mulher colocou no ombro de Elric não passou despercebida por Mayhem, que corou por trás de sua costumeira e enorme blusa de lã.
"Eles não são namorados... ele não teria me abraçado daquela forma se fossem... Mas talvez... ela esteja querendo que sejam" - o pensamento distraiu a moça por um instante, e quando deu por si, o Bárbaro havia feito a ótima pergunta: seria aquela a única entrada? Enquanto isso, a elfa e o meio-humano discutiam sobre a validade de mandar o morcego de estimação - será que poderia se referir a ele daquela forma? - de Nalklyr para averiguar o perímetro. E o Bardo, impaciente em seus cabelos vermelhos, queria saber se aguardariam para sempre.
- Ãhn... gente, antes de entrarmos, e aproveitando que estamos todos aqui... - a mocinha aproximou-se de um por um, entregando uma pulseira de metal trançado, com um sorrisinho tímido. Demorou-se um pouco mais em Ta'burz, Nalklyr, Jack e Elric. Os três primeiros, porque sentia que era com eles que a Humanidade havia falhado, e o último porque...
porque sim -
Quando partida, a pulseira irá brilhar em lugares escuros assim que uma das outras chegar perto. Não, não é uma magia. É só imãs e... bom, funciona. Em um alcance de cerca de 100 passos. Assim não perderemos uns aos outros... - a garota corou -
... mesmo na escuridão dos lugares mais profundos.- PULSEIRA:
Mayhem queria que entendessem aquele como um gesto de amizade, é claro. Mas era mais que isso.
"É uma promessa, Meio-Humano. As crianças verão a luz do sol." - ela esperou um pouco mais, e como nada acontecesse, voltou a se manifestar, já com sua pulseira presa ao pulso fino.
- Acho que Tufo poderia voar ao redor do perímetro, para verificar a existência de outras entradas. Mas sem se arriscar. - retirando a mochila e colocando no chão, Mayhem despiu a capa com capuz e então puxou a enorme blusa de lã pela cabeça, jogando-a sobre a mochila -
Por via das dúvidas, vou checar os sistemas de segurança do portão.A garota era mesmo bem alheia a nuances - e nunca na vida teria parado para perceber se algum dos presentes estava surpreso com a revelação das
roupas de trabalho dela: inteiramente vestida em couro bem escuro, macio e bem colado ao corpo, de forma a garantir máxima liberdade de movimentos sem nenhum tecido que pudesse se agarrar em cantinhos, Mayhem era
bem diferente da massa de lã macia anterior. As curvas acentuadas do corpo da jovem pouco condiziam com a figura que fazia até então. E quando ela ergueu os braços para prender os cabelos azuis em um coque alto, a curva dos seios era realmente um escândalo!
Baixando os óculos com lentes de aumento, a moça se inclinou para a fechadura, pouco ciente de que estava ali em calças de couro desenhadas ao corpo, numa posição daquelas.
- Só estou olhando! Só olhando! - ela abriu a algibeira, de onde retirou uma pinça longa -
Só me deem uns minutos, sim?