ALTO ERMITÉRIO, ANTES DA PARTIDAYESSENYACom algum trabalho, Yessenya reuniu quatro servas e começou a treiná-las nos modos cortesãos, o que deu ainda mais trabalho.
— Muito bem, caso alguém pergunte a vocês em Porto Real quem seriam seus pais, usem a desculpa de quem são órfãs e a família Dayne as colocaram como minhas damas de companhia até que possam ter um dote ou até que eu me case, estamos entendidas?
Lulwa, a mais confiante das escolhidas de Yessenya, tomou a liberdade de questioná-la:
- Órfãs não inspiram muito respeito. Por que não dizer que somos bastardas, ou mesmo filhas legítimas de alguma casa nobre de pouca importância?As outras sussurraram considerando a proposta dela, a maioria em concordância.
— E, por favor, não saiam de perto de mim durante o torneio. Ou se quiserem dar uma escapada… Que seja uma escapada inteligente. Não quero ter que dar explicações ao meu pai ou qualquer homem aqui da casa que ache que sabe sobre algo de honra.
A calma e assanhada Numa indagou a Yessenya:
- Milady vai então nos apontar quais cavalheiros seriam uma escapada inteligente? Pois para nós, qualquer nobre parece tão bom quanto outro...ARNOutro preparativo de Sor Arn foi comprar um corcel para torneios, chamando-o de Bucéfalo. Com isso, já eram mais de meia dúzia de equinos para embarcar no Sabre da Sapiência.
CALLAHANMetade dos servos do Alto Ermitério tinha dúvidas de que Callahan Sand fosse realmente filho de Allyria Dayne, e a outra metade simplesmente não acreditava em absoluto. Lorde Edmund não gostava de discutir esse assunto, e poucos dos servos estavam em Tombastela para conhecer sua pretensa mãe.
Mas os homens de armas da casa, talvez devido a sua ligação com Lady Yessenya Dayne ou talvez por outro motivo, o tratavam bem e respeitosamente. Até mesmo o sombrio e impaciente Sor Gerold Dayne falava com ele de igual para igual, como fez quando Callahan o cumprimentou pela recuperação do saque.
— Congratulações, Sir Gerold, por ter capturado tais homens. Gostaria de ter me juntado ao senhor em tal caçada. Mas como sabe, tenho obrigações tão importantes quanto.
O cavaleiro do Alto Ermitério respondeu com olhar vagante:
- Não capturei ninguém, apenas os matei. Se fossem feitos prisioneiros, alegariam inocência e teriam de ser julgados em Tombastela, já que meu pai não tem o direito do Fosso e da Forca. Às vezes, Callahan, a melhor defesa é o ataque. Inimigos mortos não revidam.SABRE DA SAPIÊNCIA, NA VIAGEM MARÍTIMA
YESSENYAApós embarcar seu próprio corcel no navio, Yessenya impôs suas condições ao meistre Querellon, garantindo que Callahan e suas servas ficassem na cabine de honra com ela, e o marujo guarda-costas do meistre ficasse postado do lado de fora.
Durante a viagem, ela guardou sua privacidade, concentrando-se em reforçar o treinamento de etiqueta de suas acompanhantes.
No jantar do quarto dia, Yessenya indagou a elas:
— Muito bem. Muito bem. Hora de servir o chá: o que acharam das pessoas que estão conosco no navio? Os sores, o meistre, marujos, aquele bardo que parece que tem algum defeito na profissão, as outras mulheres e homens.
Maryan, a mais jovem, teve preguiça de esperar as respostas das outras e respondeu distraídamente:
- Os guardas são respeitosos, bem diferentes dos mercenários. As mulheres cozinham e limpam direitinho, então acho que tudo bem. Não prestei atenção nos outros.Lulwa falou em seguida:
- A tripulação do meistre é de homens de ferro e gente mais miserável ainda; são bem treinados, mas é só isso. Como a Maryan disse, os soldados são dorneses das montanhas, então são mais confiáveis que aqueles mercenários vindo de lugares que só os Sete sabem. As moças da cozinha e a faxineira trabalham realmente bem, reconheço. O homem dos bichos e a outra menina, quase não os vi.Numa Aswad comentou lentamente:
- O homem de Meereen é bem bonito, e o Áspide é fascinante de um jeito perigoso. Os soldados são de uma aparência mais comum. O mordomo é um velho que parece eunuco, mas o cavaleiro Valio é bem interessante, gentil e tem muitas histórias curiosas para contar. O senhor Obadiah, o bardo, é um tanto moralista, mas toca muito bem o que quer. O rapaz que cuida dos cavalos, Remo, é extremamente tímido, aposto que ainda é virgem.Bem próprios dela, os pensamnetos de Numa ignoraram totalmente as mulheres a bordo. A gentil e calada Lamya demorou-se para começar a expressar suas ideias, e quando as fez, foi numa voz cuidadosa e ponderada:
- As coisas que vocês disseram são verdadeiras. Os mercenários são arrogantes e briguentos e não se dão bem com os guardas, deixando nossos cavaleiros em situações difíceis de mediar. Os demais contratados trabalham bem, e acho que isso se deve à direção do intendente Mendell, mas receio que o mestre Arn tenha pago valores muito altos a cada um. A tripulação é, obviamente, muito fiel ao meistre Querellon e parecem dominar bem suas tarefas. QUERELLON
Meistre Querellon tinha preparado bem sua embarcação e sua tripulação para a viagem, então não houve problemas durante a jornada.
Aproveitando o vento que soprava para o leste e as correntes maítimas corretas, eles passaram pela Costa do Sal no segundo dia, sem precisar fazer paradas de emergência. O terceiro e o quarto dias exigiram atenção para passar pelo Braço Quebrado de Dorne e pelos Degraus de Pedra, onde havia muitos piratas, mas quando avistaram a ilha de Estermont, sabiam que tinham vencido mais uma etapa. No quinto dia, eles desviaram para nordeste para evitar o Cabo da Fúria e a Baía dos Naufrágios, virando apenas para encontrar a grande ilha de Tarth. Como ainda não havia incidentes, no sexto dia eles puderam costear o resto do caminho, contornando o Gancho de Massey e adentrando a Baía do Água Negra por volta do meio-dia.
Durante a viagem, Querellon passou os três primeiros dias entre a tripulação. Com exceção do álcool e do sexo, participava de todas as outras atividades de lazer, em especial as jogatinas e cantorias, tendo inclusive incentivado Sor Eyvon a participar de um campeonato de carteado organizado por ele. Por outras vezes, podia ser encontrado na cozinha, arriscando uma ou outra receita, com a orientação das cozinheiras.
A tripulação do Sabre da Sapiência de modo geral apreciava a presença e o interesse do meistre, gerando companheirismo sem perder o respeito pelo capitão.
Foi durante uma reunião com a navegadora Jeanne que recebeu, com insatisfação, mas não surpresa, a informação do Alef sobre os conflitos entre mercenários e membros da sua tripulação. Eram dois grupos de homens distintos e com pouca familiaridade, então atritos já eram esperados. Querellon determinou que toda a tripulação passasse o resto do dia sem comida, advertindo que na próxima discussão acalorada, passariam o resto da viagem sem água. As medidas eram aplicados a todos, inclusive aos membros da casa Dayne.
Essa medida disciplinar não mereceu nenhum sorriso da tripulação, mas como até os membros da Casa Dayne foram sujeitados ao regime, não se ouviram reclamações de parcialidade. Os homens de ferro eram duros e tinham ensinado seus companheiros o mesmo modo de agir, então a condução do barco não foi afetada.
ARNSor Arn Solares circulava pelo navio com frequência, supervisionando o trabalho de seus contratados. Ordo Mendell o chamava de "patrão", enquanto os mercenários o tratavam por "chefe". Os demais eram bem respeitosos, dirigindo-se a ele como "sor" ou mesmo "lorde", este último um tanto exagerado. Os modos gentis e educados do cavaleiro agradavam seus contratados, mantendo todos felizes.
Até o dia da primeira punição.
-Voces são uma extensão de mim o que fazem recai sobre minha pessoa. O próximo que fizer algo com alguém de dentro terá que se ver comigo. Aqui temos todos os mesmo objetivos, vocês sangram por mim e eu por vocês. Eu os alimento, trato bem com respeito. Mas vocês brigam com conterrâneos e irmãos de armas? Que tipo de serviço é esse? As vidas aqui não são moedas e a honra e respeito valem mais do que qualquer ouro. E a mesma punição que dou hoje a vocês eu a terei também. - diz inflamado aos seus homens de armas cortando pela metade a ração deles.
Axel e Lancel aceitaram a punição estoicamente, mas Arn pôde ver o desagrado nos rostos de Marek e Naygel, mas ninguém disse nada. O mau humor deles com metade da ração persistiu durante todo o resto da viagem.
Remo Repyt sabia bastante sobre animais e seus cuidados, e gostava de falar sobre os cavalos quase tanto quanto gostava de cuidar deles. Arn sempre o encontrava nas cocheiras improvisadas num dos porões do barco, e ele recebia bem o cavaleiro, respondendo suas perguntas com prontidão e fazendo observações pertinentes. Além dos animais, não falava muito sobre qualquer outro assunto.
O restante dos servos se portava exemplarmente e não criava aborrecimentos para Solares.
EYVONSor Eyvon do Torentine, quando não estava apartando brigas entre soldados e mercenários, circulava pelo navio, observando a tripulação trabalhar e vez por outra aprendendo alguma coisa nova. A diferença entre estibordo e bombordo, por exemplo, embora fosse difícil lembrar-se de tudo depois.
Nos jogos de cartas, ele aprendeu bastante sobre os tripulantes e os tripulados, ouvindo muitas histórias das vidas e das terras de cada um. O mercenário apelidado de Áspide tinha algum método de trapacear nos jogos que Eyvon não conseguia descobrir, mas suas muitas vitórias logo o fizeram ser evitado pelos outros. O outro guerreiro de aluguel, o meereenês Marek, trapaceava de um jeito mais óbvio, olhando as cartas de seus oponentes, distraindo-os, trocando cartas, truques eficientes mas pouco originais. Sor Valio não jogava, pois dizia que não tinha dinheiro para perder em jogos.
CALLAHANNo início da viagem, Callahan trabalhou nas fechaduras das portas da cabine de honra que Lady Yessenya e suas acompanhantes ocupariam no barco, inserindo um segredo no trinco que impediria alguém de arrombar a porta ssem fazê-la em pedaços.
O próprio leito de Callahan ficava numa alcova anexa à câmara de Yessenya, permitindo-lhe vigiar cada movimento dela e de suas servas.
Passadas as primeiras horas no mar, Callahan descobriu que não havia muito para ver além da paisagem costeira que passava à distância, sempre mutante e sempre distante. Checar seu belo cavalo no estábulo improvisado era um passatempo que lhe aprazia durante algumas horas, mas o contratado de Sor Arn, Remo Repyt, fazia um bom trabalho escovando, alimentando e mantendo o animal limpo tanto quanto era possível.
Apesar de ser alvo dos olhares das servas, Callahan não sabia se era por sua beleza, por sua posição na casa ou por simples subserviência. Nenhuma delas o abordava de forma indelicada, e não trocavam mais do que algumas palavras com ele. Os tripulantes o tratavam com repseito, assim como os guardas também o faziam. Os mercenários o chamavam sempre de escudeiro, o que ele realmente era, mas o tom que usavam era um tanto pejorativo. Sor Valio Sand, por outro lado, era tão ou até mais respeitoso que Sor Arn, tratando-lhe de modo simples mas honesto.
PORTO REAL, NA CHEGADA À BAÍA DO ÁGUA NEGRAYESSENYA, QUERELLON, ARN, EYVON, CALLAHANPor ocasião da chegada à capital, Yessenya já conhecia bastante suas novas acompanhantes e tinha lhes ensinado bastante sobre como se portar, então esperava que não fariam nada comprometedor tão cedo.
Ao chegarem em Porto Real, Querellon não disfarçou o estresse ao ver o porto lotado. imediatamente solicitou que Alef, na companhia de outro marujo, fosse ao cais e conseguisse um lugar para atracarem, independente do preço.
Enquanto Yessenya, Querellon e Arn discutiam sobre como aportar, e Sor Eyvon e Callahan aguardavam o momento de trabalhar, uma voz por trás do grupo, baixa e melodiosa, disse:
- Não precisa se preocupar, meistre-capitão.Era Violet Poesy, a espiã que Sor Arn contratara. Ela explicou:
- Sei tudo o que precisam saber. Uma vaga de navio aportado no cais normalmente custa um dragão de ouro por dia, mas durante o torneio estão pedindo cinco dragões por dia. Os serviços de descarregamento estão custando uma moeda de prata para cada carregador. Os cavaleiros que disputarão o torneio estão erguendo seus pavilhões numa área de acampamento a leste da cidade, perto da arena de liças e de uma feira de comerciantes, que fica à beira da estrada real e defronte com o Portão do Rei. Hoje é o último dia para os competidores fazerem suas inscrições no torneio. Hoje à noite, o rei oferecerá um banquete a todos os nobres e cavaleiros presentes no torneio. A cidade está lotada, com provavelmente o dobro de sua população normal. Lorde Tywin Lannister já chegou e está hospedado na Fortaleza Vermelha.Álef olhou para Violet com olhos arregalados e bastante desconfiado.
- Como você pode saber tudo isso?Violet respondeu serenamente:
- Meu trabalho é fornecer informações úteis, não explicar como as obtenho. Sugiro que ajam rapidamente.Era agora metade do dia, e a comitiva Dayne tinha poucas horas para aportar, montar acampamento, fazer a inscrição de seus competidores e preparar-se para comparecer ao banquete, caso desejassem.