Kaira - Cidade em Chamas

       Rachel novamente via-se em um local escuro. O cheiro de sangue, suor e desespero permeava o ar quando ela era levada até outra sala. Pelo canto dos olhos ela podia ver seus raptores, um casal. O homem, mais à frente, possuía olhos azuis como pedras de gelo, já a mulher era mais difícil de se ver. Mas no fundo, ela sabia tratarem-se de seres abomináveis escondidos por trás de disfarces, como lobos em pele de cordeiro.




       A outra sala era ainda mais escura e desarrumada, mas o pior de tudo era que lá havia mais alguém. Dentro de um círculo negro riscado a giz no chão, encontrava-se uma garotinha de não mais de 7 ou 8 anos. Vendada e amordaçada. Ferida e chorando. Seus cabelos ruivos lhe eram familiares, quando Rachel finalmente percebia que a menina era ela mesma...


       

       Em seu quarto, Rachel acordava gritando. Sonhos como este a atormentavam há muito tempo. Ás vezes o cenário era outro, muitas vezes envolvendo um clarão, um estouro que logo se transformava num redemoinho, uma imagem belíssima, colorida, que remetia às fotografias, que vira nos livros, de galáxias e supernovas. Então, uma menina em tons difusos aparecia levitando à sua frente. Nestes sonhos, a garota surgia como um fantasma. Os longos cabelos oscilavam numa agitação aquática, enquanto o rosto aparecia translúcido. Devia ter uns sete ou oito anos, não mais que isso. Ás vezes segurava na mão direita um ursinho de pelúcia encardido, de grandes olhos pretos, nariz longo e focinho esférico. De boca aberta, a menina flutuante pedia ajuda - foi o que Rachel concluiu. As palavras eram arrastadas, e o som, abafado. Atrás dela, um túnel tentava sugá-la, mas alguma coisa a mantinha segura, fixa no lugar. Parecia ligada ao quarto por uma corrente, ou talvez fosse um fio, parte metálico, parte orgânico. O estranho cordão sempre saía do umbigo e descia, entrando profundamente no ventre da própria Rachel! Mas a menina também era Rachel...

       O cheiro de enxofre desviava a atenção da jovem, e ela percebia que havia uma espécie de fumaça saindo de suas mãos. Ocasionalmente algo semelhante ocorria em dias muitos frios, vapor gelado saía de sua boca, mas isso era diferente. Seus dedos estavam quentes, avermelhados.


       Por anos ela fez terapia para se livrar de seus traumas, e conseguiu levar uma vida relativamente normal, mas os sonhos ainda a atormentavam ocasionalmente, tanto que ela estudou muito sobre sonhos lúcidos, adquirindo um formidável controle de seus próprios sonhos. Mas os sonhos envolvendo a menina (a si mesma quando pequena) por alguma razão, bem... ela não tinha controle deles.

       Os sonhos, misturados a outros fatores (como o cheiro de enxofre, cabeça quente e náuseas ao se alimentar se congelados, hamburguer, refrigerantes e semelhantes) fizeram com que algumas vezes fosse diagnosticada com conversão histérica, mas em seus exames, sua saúde (tanto física quanto psicológica) parecia ótima.

       Rachel se levantava, limpava o suor da testa e seguia até a cozinha para tomar um copo de água. Ao voltar para seu quarto, ela abria a janela. Estava um dia lindo lá fora, talvez ela devesse fazer uma caminhada para espairecer? Ao mesmo tempo, ela via seu notebook sobre a mesinha e se lembrava de seu último trabalho inacabado que precisaria ser entregue em dois dias. Ainda na mesa, via seu celular, indicando mensagens não lidas.


OFF: Inicialmente será uma narrativa mais ao estilo sandbox. Pode interagir com o cenário como desejar.

Após cerca de meia hora, Rachel conseguia se recompor. De alguma forma, ela sentia como se estivesse carregando consigo um problema com o qual uma hora ou outra precisaria enfrentar, embora conseguisse levar uma vida normal mesmo assim. Porém, cedo ou tarde, isso poderia lhe causar problemas.

       Enquanto tomava um banho quente, mentalizava suas próximas ações: bom, por partes: um dermatologista para seu problema com as mãos e sua psiquiatra para lhe falar sobre os sonhos recorrentes, os quais ela não conseguia assumir o controle, mesmo após todo o seu progresso em matéria de sonhos lúcidos.

       Ao sair do banho, Rachel vestia sua roupa de exercícios e iria para a academia para espairecer um pouco antes do trabalho. Como aquecimento, ela já fazia uma corrida leve até a academia.

       No caminho, percebia diversas propagandas idênticas, coladas em vários pontos por todo o caminho: paradas de ônibus, cabines telefônicas, muros, e até mesmo espalhados no chão. Ao  ver um deles mais de perto, percebia tratar-se de uma nova academia de defesa pessoal aberta recentemente. Snake Fist parecia ser o nome da academia. Juntamente com a propaganda, havia uma foto do instrutor (John Lawrence).




      Por alguma razão, algo no homem chamava sua atenção, mas não conseguia perceber o que. Como se o conhecesse de algum lugar, mas não se lembrasse de onde.


Seguindo adiante...


       Durante os exercícios, Rachel podia perceber outras pessoas comentando sobre o novo dojo aberto (porém, alguns diziam não se tratar de um dojo, e sim uma academia de defesa pessoal): alguns estavam curiosos, um deles dizia ter ido ao tal lugar, se interessado, mas achou o tal John um doido que colocava os frequentadores em riscos como por exemplo: amarrar pedaços de carne nas costas dos alunos e largar cães famintos atrás deles, forçá-los a saltar entre telhados de prédios, amarrar suas mãos e jogá-los em uma piscina, dentre outras práticas questionáveis, e até mesmo considerava denunciar a nova academia e seu instrutor.

       Ao chegar em casa, após uma refeição leve, olhava os emails não respondidos, e... mais propagandas da tal academia... Ou o tal Johnny estava fazendo uma propaganda extremamente agressiva para divulgar seu dojo (ou academia, sei lá), ou o destino (ou sabe se lá o que) estava brincando com ela.




       Rachel percebia que não iria conseguir terminar seu trabalho com tantas distrações e no seu macbook de casa, então decidia terminar o trabalho no escritório. Lá, diversos colegas a cumprimentam, e um deles em específico pergunta se estava tudo bem com ela.


OFF: Adiantando...


       Era enfatizado certa urgência para tudo envolvendo o MCU, pois nos últimos tempos, o império da Disney estava enfrentando certas dificuldades, com diversos membros da mesma sendo acusados de crimes graves, vazamentos comprometedores, e uma queda vertiginosa da audiência nos últimos filmes e séries da Marvel. Por isso, cada passo deveria ser dado meticulosamente. Novos clientes precisariam ser alcançados e a confiança dos antigos deveria ser recuperada.



OFF: Pode interagir com o ambiente e as pessoas à sua volta como desejar.

O trabalho já havia começado há algum tempo. Era algo importante e urgente, do tipo que não se consegue todo dia, então Rachel não poderia se dar ao luxo de ficar perdendo mais tempo vendo vídeos de dojos enchendo sua caixa de spam.
        O trabalho seguia, sua testa suava e ela a limpava com as costas da mão por não querer perder mais um segundo distraindo-se. Ela olhava as horas, puxa, já estava anoitecendo e o grupo teria de permanecer trabalhando madrugada adentro. Ela ainda tinha mais um dia livre, mas não queria arriscar, eles teriam de terminar o trabalho logo.
        Seu estômago doía, e ela não era a única. O grupo decide fazer uma vaquinha para comprar uma pizza com coca-cola para passar a madrugada.
        Alguns colegas davam um tempo, escutavam música, falavam no celular, mas Rachel comia seu pedaço de pizza com uma mão e digitava com outra. Ainda faltava algo, mas o quê? O design de fundo, parecia muito simples, mas o que usar? Pense, Rachel, pense!
        Repentinamente, seus sonhos vinham á sua mente, e por alguma razão, quatro cores, alternando entre o azul, o preto, o verde e o vermelho. Sem saber exatamente o que fazia, ela estava retratando o fundo de seu sonho, tons esferográficos. Outras imagens vinham à sua mente: clarões, redemoinhos estelares, supernovas. E repentinamente, ela havia terminado.

        O grupo festejava em plena madrugada, mas em seguida, recolhiam seu material e iam embora. Rachel ia em seguida, estava morta de sono. O sol já estava nascendo. Ela provavelmente dormiria até o meio dia, ou além.
        Rachel mal entrava pela porta, seguia até o quarto, se jogava na cama, e ficava por lá...


...




        Rachel acordava ao som de água corrente, sons de pássaros e grilos cantando. O cheiro da grama a lembrava de algo há muito perdido, e quando ela finalmente abria os olhos, se via em um local totalmente estranho.
        Ou melhor, aquilo não lhe era estranho, ela nitidamente estava sonhando, e esta paisagem não era uma novidade. Porém, era até confortável sonhar com algo diferente de quartos escuros e lembranças reprimidas.
        Rachel caminhava pela paisagem, até perceber fumaça subindo em um ponto próximo. Por alguma razão, aquilo chamava sua atenção, e ao se aproximar mais, via uma estranha criatura inalando fumaça de um narguilé.




        A fumaça tinha cheiro de tabaco e menta, mas quem chamava mais sua atenção era justamente a lagarta fumando. Assim que percebe não estar sozinha, a lagarta se vira para Rachel e fala com ela, com a voz de Alan Rickman, lenta e sonolenta:

- Kaira?

        O nome também não lhe era estranho, como tudo o mais ali. Nem mesmo uma lagarta falante fumando tabaco com folhas de menta lhe era estranho.
Após a possível resposta de Rachel, a lagarta continua:

- Sim, você é mesmo Kaira, eu poderia lhe reconhecer através de qualquer Veste. Todos pensaram que Kaira não mais existisse, mas Oráculo sabe, assim como o sol nasce, a bicicleta anda, o lobo uiva e o urso panda. Tu és Kaira e Kaira és tu. O único problema é que Kaira não sabe quem Kaira és. Oras, se Kaira é Kaira, e kaira não sabe quem é Kaira, como podes Kaira ser Kaira e Kaira não ser Kaira ao mesmo tempo que eu não tenho uma bicicleta pois não sei nadar? Como podes o vinho, sendo molhado, ser seco ao mesmo tempo? Como pode o Halls preto ser branco, ou o Mar Vermelho ser azul? Como pode “tudo junto” ser escrito separado e “separado” ser escrito junto? E principalmente, como Kaira pode estar sonhando e ao mesmo tempo acordada, e ainda assim não perceber que o Oráculo colocou uma arma em seu bolso?

        Por alguma razão, Rachel podia sentir um estranho volume em seu bolso e para o lado de fora pendia algo como o cabo de uma pistola. Ao puxá-lo... realmente era uma pistola.




- Kaira deve se lembrar dessa arma, ou essa arma deve lembrar Kaira dela mesma, a não ser que Kaira não seja realmente Kaira, mas se Kaira não for Kaira, então o Oráculo está errado e isso tudo não passa de um sonho. Kaira deve fazer o seguinte: se arma não desaparecer em Plano Corpóreo, Kaira realmente é Kaira e que eu sem mim não existo! E lembre-se, na vida, tudo é passageiro, exceto o motorista e o cobrador!

        Então inalava uma gigantesca quantidade de fumaça no rosto de Rachel e o sonho terminava.
Rachel acordava em sua cama, com os cabelos cheirando a menta... e segurando uma pistola exatamente igual à do sonho.

Rachel acordava mas não conseguia acreditar. Ela jogava a arma contra a parede, mas a arma era sólida, seus cabelos cheiravam a menta, existia alguma hipótese do sonho... Não, isso não era possível. Teria ela trabalhado demais na madrugada anterior? A pizza estaria estragada? O refrigerante que o grupo tomou teria sido "batizado"?

       Novamente ela pegava a arma do chão. Era tão real quanto sua roupa, sua cama ou as paredes. Rachel a manuseava como se fosse treinada nisso, sendo que nunca na vida havia pego uma arma. Ela estava carregada, o pente cheio. O que ela faria com uma arma sem registros em casa?! Até pensar melhor nisso, ela decidia por esconder a arma.

       A primeira coisa que vinha à sua mente era ligar para sua psiquiatra. Porém, ela percebia que já era sábado, então decide mandar uma mensagem e esperar para quando a doutora pudesse lê-la. Após isso, Rachel tomava banho, fazia uma refeição leve e realizava suas tarefas diárias, pois ficar o final de semana inteiro encucada com isso não adiantaria nada.

       Sua vida parecia novamente normal, ela dava mais uma olhada na caixa onde havia escondido a arma, e ela ainda estava lá. Talvez uma caminhada a ajudasse a colocar as ideias em ordem. Ela colocava sua roupa de caminhada e rumava até sua academia.

       No caminho, mais propagandas do tal "Snake Fist". Oras, talvez não fizesse tanto mal dar uma olhada, não é?!


...



       Em um estacionamento vazio localizava-se o tal dojo. Ele estava fechado, mas na porta havia uma espécie de "bilhete" escrito com uma letra horrível à mão em uma folha de papel rasgada. "Aula no ferro-velho da esquina, quem não comparecer é um maricas e está fora da equipe!"

       Haviam mais alguns garranchos pouco compreensíveis no bilhete, tais como o endereço e horário específico do tal "treinamento", e por coincidência do destino, o treinamento parecia estar acontecendo naquele exato momento. Que tipo de treinamento seria realizado em um ferro velho?! Rachel tinha dúvidas se realmente estava interessada, mas o local indicado ficava no caminho para a academia, então, não custava nada mesmo...

...



       À primeira vista, o local aparentava não estar nem mesmo em funcionamento (com um placa de "fechado") na cerca. Porém, a cerca parecia ter sido cortada recentemente e sons no interior do ferro velho indicavam que haviam pessoas lá dentro. Novamente, a curiosidade a impelia até certo ponto. De lá, ela podia ver um homem de meia idade gritando ordens para um grupo de adolescentes.
       Apesar da distância, algo realmente familiar no homem chamava sua atenção. Teria ele sido algum antigo professor seu?! Não, por alguma razão, ela não o via dessa forma. Pelo contrário, ela o via como alguém vê alguém com um cargo hierarquicamente abaixo do seu em uma empresa. Teria sido ele uma espécie de estagiário, faxineiro ou algo assim?!
       Enquanto tentava se lembrar, as lições do homem se provavam cada vez mais estranhas e... perigosas.

       Rachel não sabia exatamente o que estava fazendo ali. Que tipo de "treinamento" aquele irresponsável estava dando àquelas crianças?! Por acaso ele levaria o garoto do moicano para o hospital para tomar alguma vacina antirrábica?!
       Quando o showzinho de comédia terminava, o "sensei" dizia a todos para ficarem de bico calado e não falarem nada sobre o treino aos pais (e ainda dava um sermão no garoto do moicano sobre aguentar a dor da mordida como um homem e não ficar chorando como uma mulherzinha). Rachel estava quase pensando em denunciar o maluco, quando todos estavam indo embora, bem em sua direção.

OFF: Supondo que Rachel não se esconda nem nada, segue a cena abaixo:


       Os garotos olhavam para Rachel, e em seguida para o sensei, como que esperando sua reação. O maluco apenas faz um sinal para eles irem embora, enquanto seguia em direção à Rachel.

- Então, acho que você é jovem demais para ser mãe de um dos meus alunos e velha demais para o treinamento de iniciantes... - Porém, quando chegava mais perto e via os olhos de Rachel, ele parava instantaneamente com uma expressão de extrema surpresa no rosto. - Kaira?

        Novamente aquele nome, mas desta vez, o nome dito pela voz do maluco parecia lhe fazer recordar de algum sonho muito, muito antigo...

...



       Ela estava sobrevoando uma região de névoas, águas agitadas e diversas embarcações destruídas. Ela não estava sozinha. Ao seu lado voavam seus tenentes, Urakin (um Gabrielita honrado e de grande força física, carregando seu martelo, Mjolnir), Levi (Um Rafaelita amante da paz, bastante útil em evitar conflitos desnecessários) e ... Denyel (um Gabrielita que até pouco tempo atrás era considerado um Renegado, absolvido com a ajuda de Kaira).

       O grupo voava sobre as Terras Oníricas. As Guerras Etéreas estavam em seu auge, mas o grupo estava em uma missão específica, encontrar Jormungand, uma das mais poderosas criaturas etéreas utilizadas pelos demônios para dominar as Terras Oníricas.

       Subitamente, um som como se o próprio mar estivesse se abrindo, e uma criatura de proporções colossais abria suas mandíbulas em um bote contra os quatro.



...


       O devaneio era rápido, e a única coisa que permanecia na mente de Rachel eram os olhos e a voz de Denyel. A mesma voz e olhos do homem que falava com ela agora...

       Rachel já estava começando a ficar aborrecida com aquele nome. Kaira. Porém, já havia passado um dia inteiro e aquilo continuava. Poderia haver enfim alguma verdade em tudo isso? Seria esse o momento para ela duvidar de tudo aquilo que havia aprendido em toda a sua vida?! Seria tudo uma mentira?! Enfim, talvez ela devesse finalmente enfrentar o fato de que o universo material não fosse a única verdade, e que Shakespeare talvez estivesse correto:

"Há mais coisas entre o céu e a terra do que nossa vã filosofia possa imaginar".

       Ela decidia sair de sua posição defensiva e encarar novas possibilidades. Ela o chama pelo nome que vinha à sua mente:

- Denyel?

       Os olhos do homem se arregalavam ao ouvir o suposto nome.

- Então... então é você mesmo!

       Johnny... ou melhor, Denyel, lhe fazia uma leve reverência antes de continuar.

- Kaira, eu pensei que você houvesse sido obliterada, ou pior, que tivesse Caído! Eu... enquanto eu me recuperava da morte de minha antiga Veste física, ouvi que você havia desaparecido em uma missão aqui na cidade. O que aconteceu afinal?


       Aquilo tudo era muito estranho. Ela realmente sentia como se estivesse conversando com um antigo amigo, e mais estranho ainda, o que ele dizia parecia fazer sentido...

A confusão de Rachel era evidente.

- Eu...Eu... Fui o que?? Do que você tá falando? Não, meu nome é Rachel... mas... Meu deus eu tô ficando louca???  O que tá acontecendo?? Quem é você?? Seu nome é Denyel, é Johnny? Qual o seu nome de verdade? Como você me conhece e como conhecesse esse nome "Kaira"?? Cair? Vestes? Obliterar? Do que você está falando??



       Johnny/Denyel parava um instante, olhando-a dos pés à cabeça, antes de prosseguir.

- Você não é uma mortal comum, posso sentir isso. Você é Kaira, uma Urielita, um anjo enviado dos céus para ajudar a humanidade. Juntos, nós combatemos criaturas etéreas nas Terras Oníricas, mas algo aconteceu com você. Essa não é a Veste que você costumava utilizar. Não consegue se lembrar de nada?

Ainda incrédula, Rachel não iria se render a simples palavras (mesmo que em seu íntimo elas parecessem ter algum sentido, tudo aquilo que havia aprendido em vida lhe forçava a não acreditar em nada daquilo).

- Entendo, você não se lembra de nada, não é?! Pois bem, preste muita atenção no que verá agora. Procure enxergar não apenas com os olhos dessa Veste que está usando!



        Então Johnny se concentrava, e seu corpo se iluminava. Em alguns segundos, Johnny não estava mais em sua frente, e sim uma entidade humanoide, vestindo o que parecia uma armadura pesada, com grandes asas acinzentadas saindo de suas costas.



        O ser brilhante então levantava voo sobre ela. Suas asas se moviam, mas não pareciam ser elas o que o elevavam no ar.

- Será que já é o suficiente, Kaira?!

Diante da inegável visão, Rachel não tinha escolha senão ceder e assumir que tudo aquilo realmente era verdade.

- Não pode ser... Como??? Eu... Eu não me lembro de nada disso! Eu sempre fui Rachel, desde sempre, eu nasci, tive pai, mãe que faleceram, vivi uma vida inteira, uma vida normal, amigos, namorados, chefes, faculdade! Tudo!!!


- Eu ainda não sei como isso foi acontecer, mas acredito conhecer alguém que possa!

- Denyel... O que está acontecendo??? Eu não me lembro de nada disso, nada! O que aconteceu?? Onde estão Levi e Urakin???


- Levi ainda está na ativa. Talvez esteja alimentando alguns mendigos, ajudando velhinhas a atravessarem a rua, ou alguma daquelas coisas que os Rafaelitas costumam fazer ao invés de baterem de frente com demônios. Já Urakin, bom, receio que já não esteja mais entre nós! Mas enfim, quer ver algo realmente magnífico?! Talvez isso lhe ajude a refrescar a memória. Em caso negativo, procurarei alguém que possa ajudar, você confia em mim? - Então estendia sua mão para ela segurar.

OFF: Supondo que Rachel aceite, segue a cena abaixo. Caso ela não aceite, posso mudar a postagem:



       Rachel segurava a mão do anjo com força, quando eles pareciam adentrar uma espécie de túnel de energia. Aquilo era simplesmente fantástico demais para ser real, e ainda assim ela acreditava.


Assistir dos 2:05 até 2:20.



       Repentinamente, Rachel se via em um local diferente. Um local onde formas e cores eram tão perfeitas que pareciam irreais. Grandes estátuas de anjos guerreiros ladeavam o lugar. Fortalezas e baluartes circundavam a ambos.



- Estes são os Salões do Valor, antigos domínios de Gabriel. E esta é você! - Dizia apontando para o corpo de Rachel, que também parecia diferente.




       O corpo de Rachel... ou melhor, Kaira, não parecia feito de carne e ossos, e sim de... algo que ela não podia compreender. Ela vestia algo semelhante a uma armadura de bronze e de suas costas saiam asas flamejantes, diferentes das de Denyel.


- Eu gostaria de dizer ao pessoal sobre as novas, eles estão muito deprimidos desde o Banimento de Gabriel, mas primeiro, precisamos descobrir o que lhe aconteceu. Siga-me!

       Dali, Denyel voava para longe, e Kaira surprendeu-se ao voar tão facilmente quanto ele. Aquele lugar era simplesmente indescritível, parecia constituído do mais puro alabastro, ou luz do sol na água, ou ouro tão fino que se tornou quase transparente. No caminho, eles passavam por diversos outros anjos, tão diferentes entre si quanto os humanos o são.





       No caminho, ambos podiam ver diversas cidadelas flutuantes, mas Denyel tinha pressa demais para descrever cada uma, guiando-a para uma em específico, que parecia uma espécie de bosque flutuante, suspenso sobre as nuvens. Uma espécie de rio mais puro e transparente do que qualquer água que ela já havia visto, conectava diversos poços e fontes. A dupla seguia o rio, até chegar em uma fonte em específico:



       Denyel se dirigia a um anjo coletando água em uma jarra que parecia ser feita da mais pura e brilhante prata já vista.

- Efion, desculpe chegarmos assim de surpresa, mas seu senhor, o Arcanjo Raguel por acaso estaria por aqui?

- Infelizmente, meu senhor está ocupado em uma missão. Eu poderia ajudar em algo?

       Então, Denyel olhava para Kaira.

- Precisamos descobrir o que aconteceu com ela!

       Se aquilo era um sonho, era o sonho mais fantástico que ela já teve. Não, já era hora de encarar que tudo aquilo era real. Mas... isso significava que tudo o que ela se lembrava de ter vivido era uma mentira?!

- Espera, você diz o Arcanjo Gabriel? Da Bíblia? aquele mesmo que anunciou pra Maria a vinda de Jesus Cristo?


- Sim, sim. Ele é o Arcanjo mais casca grossa de todos, e meu antigo Superior. Infelizmente ele teve um desentendimento com Miguel, condenou um anjo inocente ao inferno e foi Banido. O local de onde saímos, os Salões do Valor, são como o quartel general dos anjos do Primeiro Céu. Seu Superior é Uriel, um cara meio estranho que passa a maior parte do tempo nas Terras Oníricas conversando com unicórnios e coisas do tipo.

       A dupla então seguia sobrevoando as "cidades flutuantes", cada uma diferente da outra, algumas com castelos de ouro e platina, outras com templos de pérola e marfim, algumas com catedrais de puro mármore e torres de mais de 5 mil metros de altura. Em dado momento, passavam por esquadrões de lutadores guerreiros alados deslizando por entre as nuvens, aparentemente prontos para defender o  Paraíso contra qualquer ameaça ou invasão. Denyel percebia o que Kaira estava pensando.




- Um pouco diferente das imagens dos vitrais da Terra, não?! Mas este é apenas o Primeiro Céu, a camada mais próxima da terra... e do Inferno. Por isso tanta proteção, somos como a linha de defesa do Paraíso. Anjos de baixo escalão (como eu) temos acesso apenas ao Primeiro Céu, mas os anjos de patente maior dizem que as outras são ainda mais fantásticas. O Trono de Deus está na última camada, onde apenas as almas mais puras e santas têm acesso. Os Arcanjos dizem que após o final da Guerra, todas as camadas serão acessíveis, pois não haverá mais perigos para barrarmos.


...


       Kaira se apresentava a Efion, que fica surpreso ao ouvir o nome:

- Kaira?! Esse nome não me é estranho.

- Sim, a Faísca Divina. Ela esteve desaparecida há alguns anos, mas os caminhos de Deus são realmente fantásticos e acabei cruzando com ela na terra. Parece que ela perdeu a memória. Estava vivendo na terra como uma humana, sem se lembrar de nada. Acha que poderia fazer algo a respeito?

- Me permite? - Perguntava Efion a kaira.

        Efion tocava sua cabeça com as mãos, e Kaira podia ver flashbacks diante de seus olhos. Via-se em uma batalha de proporções cósmicas, anjos contra anjos, e se sentia mal por lutar contra seus antigos aliados. Via-se em um lugar frio, usando seu calor para aquecer e dar esperanças aos humanos primitivos. Via-se ao lado de Denyel, Urakin e Levi, lutando contra uma serpente monstruosa maior do que uma montanha, também via a si mesmo enfrentando um deus Etéreo com um arco flamejante, e finalmente, via a pequena Rachel amordaçada, chorando em um lugar escuro.

        Em choque, Efion a soltava, como se tivesse ferido as mãos.

- Entendo, ela não está apenas usando uma Veste humana, ela divide o corpo com uma humana, suas lembranças estão mescladas!

- Mas... isso quer dizer que ela se apossou de uma humana?! Como os demônios fazem? Mas isso é um crime muito grave, eu conheço Kaira e ela nunca faria isso!

- Não creio que ela tenha feito de propósito, ao que parece, ela foi capturada por dois demônios, e a possessão forçada fazia parte da tortura psicológica!

- Então... onde está a alma da menina possuída?

- No mesmo lugar onde estão as almas dos mortais possuídos, um algum lugar nos Ermos de Beleth, na Terra dos Pesadelos, vivendo dia após dia o tormento do dia em que foi possuída!

- Meu Deus! E como podemos concertar isso?

- Salvando a alma da menina!