Independente do quão ágeis pudessem ser em seu trabalho conjunto para parar o fogo, a estrutura em chamas já estava condenada a partir daquele ponto. Homens e mulheres, até jovens, empenhavam-se na tarefa dada por aquele que era visto como o de maior "moral" por ali, Sankar, e em poucos minutos se mostraram eficientes em evitar que as chamas de espalhassem. O incêndio já não seria mais um problema.
Poucos metros de distância de onde as chamas eram contidas, o clima entre os soldados era o de guerra. A morte do Lorde Jordayne, ainda acompanhada pelas desgraças da traição envolvida e a falha com a segurança daqueles convidados ao descanso no Tor, seria daquele dia em diante uma mancha escura na história da sede da Casa Jordayne do Tor. Todo soldado presente com um pouco de orgulho partilhava da vontade imediatista de retaliação, e o restante era levado com os outros no calor do momento. Por isso as palavras de Sankar Nassam, que prometia-lhes a vingança, receberam como resposta vários gritos de apoio. Era como jogar mais lenha em uma fogueira que já estava grande.
Com passos apressados e a mão imprudentemente na bainha da espada, um jovem soldado alcançou o grupo de serviçais liderados por um velho curandeiro pouco antes de entrarem na estrutura principal. No suporte que carregavam, Lorra respirava com cada vez mais facilidade, uma vez que a fumaça já não a alcançava e a multidão desaparecera, embora ainda parecesse estar inconsciente. O jovem soldado a observou temeroso e preocupado com seu estado, pois estava pálida, abatida e havia sangue por perto. Não demorou para que o velho curandeiro o repreendesse de maneira agressiva, como se falasse com uma criança, e o soldado nada fez além de apressar aqueles que carregavam a Targaryen. Precisava que ela sobrevivesse, afinal Sankar fora bem claro ao dizer que ele partilharia do mesmo destino que sua protegida.
Distante de onde as últimas consequências do incêndio aconteciam, um grupo de soldados se aproximava da entrada da estrutura acoplada ao grande muro do Tor, próxima do portão principal e do local onde Trebor Jordayne fora atacado. Pouco antes de passarem pela espessa porta, que ao ser aberta revelara um corredor pouco iluminado, o grupo foi abordado por um soldado que trazia novidades: a tropa de cavalaria e os arqueiros requeridos estariam prontos para ação em poucos minutos, mas nenhuma saída sem autorização fora notada até então. Nada fora do esperado.
Os cinco soldados continuaram com o herdeiro dos Portões do Inferno pelo corredor que levava à prisão do Tor. O último soldado da fila arrastava o prisioneiro que estava próximo do incêndio e este se encontrava com o rosto marcado por bofetadas, mas ainda assim era um sortudo, pois teria sido brutalmente assassinado pelos soldados se não houvesse liderança por ali. O prisioneiro dizia não ter envolvimento no incêndio, mas sua palavra não seria confiável até que passasse pelo torturador.
Na prisão, vários degraus para baixo depois do fim do corredor, o som de metal ardente sendo mergulhado em água e alguns gritos constituíam o som ambiente do lugar. A prisão poderia ser descrita como uma grande sala, aproximadamente dez metros por dez metros, com três celas à direita, cada uma capaz de comportar três prisioneiros ou mais, mas com certeza costumava abrigar muito mais. As paredes eram rocha pura, escura e uniforme, com várias seis tochas ao todo. À frente da única entrada, na parede oposta, uma engenhoca de madeira em forma de "Y" prendia um dos traidores pelos pulsos, pernas, cintura e pescoço.
Entre os prisioneiros da cela do meio, Lyla se encontrava sentada com o corpo e testa escorados na parede, aparentemente inconsciente e com o semblante abatido. Haviam dois soldados auxiliares próximos da mesa à esquerda, onde se encontravam vários objetos cortantes e outros, além do que parecia ser um enorme barril de água. Na parede, bem ao lado da mesa, uma espécie de fornalha queimava atrás de uma pequena porta metálica e a fumaça subia para cima por trás da parede, mas ainda assim era uma das causas por trás da elevada temperatura do lugar. O torturador, um homem baixo de pele escura, sem um único fio de cabelo, virou-se para o grupo que havia chego e os cumprimentou, dando atenção especial ao Nassam.
O relatório do que havia sido descoberto até então não agradou muito. As informações de conhecimento geral entre os traidores era a de que a mulher que acompanhava Sankar Nassam deveria ser morta, para isso a entrada de um individuo em especial como prisioneiro deveria ser facilitada, então apenas o libertariam na primeira noite e aguardariam a confirmação da morte, para depois fugirem com os cavalos até o litoral onde seriam pegos. Lyla recebera a proposta dias antes por mensagem, para depois encontrar-se pessoalmente com um homem de nome desconhecido, mas que ela soube descrever em detalhes. A proposta feita envolvia ouro para todos, mas Lyla também receberia terras não se sabe onde, e a julgar pela facilidade com que aceitou a proposta, era difícil imaginar que essa era a primeira vez que Lyla traía seu senhor.
Com a chegada de Sankar e alguns baldes de água fria para acordar a escória traiçoeira, a tortura teve prosseguimento. Não houvia tanto tempo para trabalharem em busca de informações com mais calma, visto que ainda tinham um navio para atacar antes do amanhecer, mas como todos os traidores já estavam fragilizados, inclusive o recém-trazido que chorava, foi rápido faze-los soltar um pouco mais. O traidor pego próximo ao incêndio confessou sua culpa e entregou dois serviçais que o auxiliaram, enquanto outros ainda descreveram a aparência do "individuo especial" que libertaram para assassinar Lorra. E como Sankar suspeitara, o encontro com Lyla e a morte de Trebor não faziam parte dos planos dos traidores, fora apenas uma infeliz coincidência ou armação do divino. Mas, dentre todas as informações recolhidas, a mais curiosa veio de Lyla: recebera duas cartas com a assinatura "Fúria", aquela que Sankar havia lido no estábulo e outra que já fora queimada, mas a escrita em ambas eram diferentes. A traidora dizia pensar que as cartas foram enviadas por pessoas diferentes.
Ainda assim, as informações não viriam a salvar os traidores da fúria do Nassam e dos soldados que o acompanhavam. Assim que a tortura terminou e as informações foram colhidas, os prisioneiros foram obrigados a seguir em fileira para fora da prisão e lá em cima, ao lado do portão principal onde a tropa da cavalaria já aguardava, foram amontoados e queimados vivos. Demorou e alguns tentaram fugir, mas eram cercados pelas lanças de soldados que rugiam ao chama-los de traidores. Foi o último ato de violência dentro do Tor naquela noite, pois a cavalaria seguiu com Sankar para longe, cavalgando pelo deserto em plena noite rumo ao litoral, ao ponto de encontro com os inimigos.
Quando o sol nasceu pela manhã, um navio de porte médio e velas brancas se encontrava próximo às rochas, pouco distante de uma praia extensa. Havia sangue na areia e corpos espalhados no convés e perto da proa do navio, todos mercenários aparentemente oriundos das terras vizinhas de Dorne. Os soldados do Tor vasculhavam o navio e os bolsos dos mortos em busca de ouro, cartas e qualquer coisa que pudesse ser relevante, mas nenhuma nova informação foi encontrada. Devido a natureza do ataque muitos morreram antes mesmo de terem a chance de abrir a boca, mas a julgar pelo cuidado daqueles que queriam Lorra morta, a única coisa que conseguiria de mercenário contratados seria a informação sobre o local onde deveriam deixar os traidores do Tor. Local que já estaria abandonado depois do atraso. Nem mesmo o homem descrito por Lyla, o homem que a havia abordado pessoalmente, fora encontrado no navio. Estatura mediana, corpulento, idade avançada e pele branca, certamente um nobre, com cabelo curto, liso e castanho e olhos da mesma cor. Nariz achatado, lábios grandes e sobrancelhas grossas completavam a descrição feita por Lyla.
A história da traição estava temporariamente encerrada e a fúria dos soldados razoavelmente aplacada. A batalha no navio não fora desafio, mesmo para um Sankar ferido e consideravelmente cansado, e muito menos difícil para uma tropa de cavalaria e arqueiros preparados para morrer. A tropa retornou sob comando do Nassam ao Tor, e chegaram com o sol já ardendo em suas cabeças. Assim que entraram pelo portão, Sankar reparou que os corpos queimados dos prisioneiros ainda estavam sendo retirados e boa parte dos serviçais já havia retornado ao serviço. Uma jovem descalça logo se aproximou, nervosa por ter de falar diretamente ao nobre, e o informou sobre o estado da outra convidada: Lorra não passava bem, mas Meistre Eldon dizia ser capaz de assegurar sua sobrevivência. Ela se encontrava no quarto que um dia fora de Myria Jordayne, única herdeira viva de Trebor, e contava com a proteção de dois soldados na porta do quarto.
Naquele dia, Sankar recebeu tratamento nos aposentos do próprio Trebor, cujo corpo já era preparado para uma cerimônia apropriada. A ferida feita pela traidora na noite anterior estava aberta, as queimaduras pelo corpo em estado deplorável e a tosse havia retornado de maneira problemática. O herdeiro dos Portões do Inferno teve seu descanso durante a tarde, sendo incomodado apenas para ser informado a respeito de assuntos de maior importância, como a melhora no estado de Lorra e a presença dos dragões que vez ou outra tentavam entrar no quarto da Targaryen pela janela e espantavam as serviçais. Ainda antes que a lua retornasse ao céu, o retorno de Myria ao Tor em alguns dias foi confirmado.
Depois de apagar no suporte enquanto era levada por serviçais para receber socorro, Lorra só foi apta a acordar na noite daquele dia, quando as dores pelo corpo ainda incomodavam e a fraqueza ainda a debilitava, embora certamente já estivesse bem melhor do que estava no momento que fora tirada da estrutura em chamas. Em uma das vezes em que fora acordada, se não a única, fora o som familiar dos dragões que a havia despertado para ver uma cena incomum: a janela havia sido aberta por meio da força, e dois dos dragões encontravam-se dentro do quarto ameaçando ataque contra um jovem soldado empunhando uma espada trêmula. Felizmente, não foi nada que pudesse prejudicar seu estado de saúde, mas a partir dali os dragões não a deixaram mais e somente o Meistre Eldon teve coragem para continuar com os cuidados.
Nos dois dias que se seguiram, Lorra continuou sua recuperação e voltou a poder andar sem sentir que cairia no segundo dia, embora o Meistre ainda aconselhasse insistentemente no repouso. O terceiro dragão também tornou a aparecer no segundo dia, e assim como os outros deixou o quarto poucos vezes depois disso. As mensagens enviadas por Sankar assim que chegaram no Tor foram respondidas nesse tempo.
No primeiro dia, um corvo trouxe a resposta do Príncipe Oberyn. Uma mensagem um tanto pequena, mas com tom de urgência, em que solicitava noticias sobre o estado de Lorra e do bebê, requisitava a presença de Lorra e Sankar em Lançassolar para assim que possível e desculpava-se por não estar presente. Era uma mensagem que trazia um pressentimento estranho, exatamente por ser breve demais. Ainda no primeiro dia, outro corvo trouxe uma também breve resposta do Lorde Salazar Nassam, em que ele requisitava a presença do filho sem tomar conhecimento dos deveres de Sankar. Nenhuma resposta veio de Tasoor nesse tempo.
Mais dois dias se passaram sem que novas mensagens ou respostas chegassem. A força voltava pouco a pouco para Lorra, quase sempre acompanhada de pelo menos um dos dragões, enquanto Sankar esperava o momento para seguir viagem. O dornês se encontrava na estrutura principal do Tor, mesmo local que Lorra, quando foi avisado da chegada de Myria Jordayne. Ainda era manhã.