O silêncio sepulcral era muitas vezes indesejado, remetido à morte, à ausência de vida, o silêncio era incomum em um lugar como Nova York, principalmente na Times Square, era tão incomum que sua presença remetia sinais funestos de algo ruim e esse pressentimento era inevitável. Enquanto subia em passos cautelosos segurando o estranho mascarado em suas costas com o mesmo esforço que uma pessoa comum carrega uma pequena trouxa com menos de dez peças de roupas, Nightingale já se preparava para o pior. A escadaria era como uma luz escura no fim de um túnel funesto que tinha como o tapete vermelho o sangue de um inocente que aquela mulher e suas criaturas haviam massacrado como um material velho, a cada passo que era dado uma revelação negra estava mais próxima de ser vislumbrada, a tensão era tamanha que o brilho dos olhos que tinham a mesma cor do sangue em que pisava quase trespassavam as lentes escuras do óculos que lhe serviam como a única máscara de normalidade. Mas aquilo era medo? Não... Não era medo, ela não sabia o que era mas não sentia-se com vontade de recuar, esconder-se, chorar, esperar que toda aquela visão monstruosa que tivera hoje não passasse de um pesadelo e que em instantes iria acordar e suspirar de alívio pois estaria tudo bem, não... Mas era o alerta, por mais que o medo fosse cortado de seu cérebro o instinto de auto preservação ainda estava intacto e os verdadeiros monstros que fizeram isso com Abigail seriam tolos se a intenção era criar super aberrações como máquinas de guerra sem qualquer senso de auto preservação. Seriam facilmente dizimadas. Sim, parecia que no mesmo instante que teve essa dúvida sobre o que era esse sentimento, imediatamente Abigail já achara a resposta.
Nightingale já estava de volta ao andar superior, uma penumbra existencial cobrindo o mundo dos Homens, um passageiro sombrio que peregrinava pelas ruas de Nova York engolindo sutilmente tudo o que era vivo e que simplesmente tinha ido embora para nunca mais voltar, era o que parecia ter ocorrido, era como se todas as pessoas do mundo tivessem sido abduzidas por algum fenômeno paranormal insólito com exceção dos cadáveres que ainda estavam da mesma forma que os vira pela ultima vez. Ter cadáveres como sua unica companhia no que parecia ser muitos metros quadrados (não manjo de métrica) era uma forma brutal de se imaginar neste mundo e talvez mais um cadáver se somaria, o de suas costas. A vampira olhou para traz e pensou:
"Por favor, aguenta... Não morre agora... Vou te levar pra um hospital. Só espero que tudo esteja normal por lá..."
Era fácil para qualquer um entrar em um profundo desespero com a solidão, como se você fosse o ultimo ser humano vivo no mundo. Vagar sozinho pelo vasto vale do vácuo do mundo dos Homens sem nunca encontrar nada mais do que a si mesmo seria o pior pesadelo para qualquer individuo humano e por fim viria a loucura e a ânsia pela morte.
Ela então caminhou alguns passos para frente em direção à porta aberta e as ruas noturnas vazias. Olhou para os dois lados vendo a vastidão da selva de pedra sem uma alma viva, aquilo era macabro e o sentido de auto preservação de Nightingale ficava cada vez mais acurado.
"Mas... O que está acontecendo? Isso não é possível, não é... Já vi tantas coisas bizarras desde que me transformei... Nisso... E elas só parecem piorar. Como eu gostaria que tudo isso acabasse logo..."
Parecia que alguma entidade que assistia Nightingale naquela situação penosa tinha um senso de humor negro, pois foi só a vigilante pensar que coisas bizarras só aconteciam que mais coisas bizarras continuavam acontecendo. Subitamente, as luzes começavam a apagar, da esquerda para a direita até o centro de onde estava em uma sincronia perfeita, quase como se fosse intencional, como naqueles filmes que algo grande e nefasto, tal como uma invasão alienígena, ou qualquer outro sinal do fim do mundo estivesse dando as caras.
"Não... Isso não pode estar acontecendo, o que diabos TÁ HAVENDO NESSA CIDADE????"
Estava começando a ficar irritada, parecia ser outro tipo de reação que teria em conjunto com o medo grandioso que estaria agora em condições normais. Tudo ficara escuro, Nightingale rangia os dentes e suas presas saltavam como um instinto de guarda levantada mesmo com a boca fechada, e também tinha outra coisa... Não estava sozinha, pensava estar mas não estava. Ainda de pé na porta da loja olhando as ruas vazias e escuras Nightingale começava a se sentir em uma imersão maior do que seria este filme de terror e ironicamente a vampira sentia-se a mocinha que estava sendo vigiado pelo terrível monstro, ou psicótico caçador que espreitava nos cantos mais sutis e rentes das penumbras, e por mais que as trevas já fossem translucidas aos seus olhos, as verdadeiras trevas nunca podiam ser vistas se não quisessem, ou talvez elas simplesmente não podiam ser enxergadas por quem não pertence à elas. Essa era uma esperança no coração morto-vivo de Abigail, ainda não ser parte das trevas que pareciam querer devorá-la toda vez que saciava sua pecaminosa fome de sangue humano.
Abigail (em voz baixa) - Você acredita no Demônio, Mascarado? Porque depois de hoje... Acho que Ele acredita em nós.
Não esperava qualquer reação do mascarado, ele estava inconsciente e mal, tinha que levá-lo para um hospital urgente, e pelo sepulcro visual e auditivo era de se esperar que o caminho estivesse completamente aberto para correr logo ao hospital, mas ao mesmo tempo pensava na escala desse fenômeno, até onde tinha atingido? Só um bairro? Só uma Cidade? Um país? O Mundo?.
"Ah não... Alex..."
Nightingale imediatamente apoiou melhor o mascarado em suas costas para liberar uma das mãos, sacou o celular via que estava inutilizável também, sentiu vontade de atirar o aparelho longe, tinha que deixar esse cara no hospital e ir correndo verificar se estava tudo bem com o Alex. A calma de Nightingale era o que parecia transparecer, mas por dentro estava longe de estar relaxada, sua ausência de medo ajudava-a pensar com mais clareza em momentos como este, só esperava não estar se entregando para algum tipo de monstruosidade em seu interior mas de fato parecia que emoções as vezes só serviam para atrapalhar.
A vampira começou a dar seus primeiros passos na vastidão obscura quando olhou para o céu límpido, sem nuvens ou estrelas viu um homem voando.
"Mas... Que merda... Será que eu estou mesmo ficando louca?"
Era tarde para se esconder de um homem que sobrevoava o local, ele já tinha a visto, uma única alma viva de toda a rua. Com sua visão predatória ela observava debaixo o homem, via seu rosto, suas roupas, e nunca se esqueceria de nada que viu nele, não por paranoia mas sua cabeça parecia ter só sofrido melhoras com uma memória nunca falha. Manteve-se esperta pois por mais que o homem voador não parecesse ser hostil, ainda não sabia de quem se tratava. Ela mantinha firme o mascarado em suas costas, tinha de protegê-lo, mas mesmo assim ver uma única alma viva ali não era ruim, significava que ela e o mascarado não eram os últimos habitantes, quem sabe do mundo. Para ter certeza de suas intenções, a vampira focava sua atenção no homem voador, quase como se estivesse tentando escutar ele falar algo que estivesse falando sussurradamente, era assim que ela fazia para ouvir mais do que as palavras podiam dizer, era assim que ela conseguia se atentar a interpretar de forma sonora os pensamentos alheios.
Após tentar ouvir seus pensamentos a vampira se atentou a mais um detalhe que... Ela não sabia dizer se era macabro, ou não... Tantas coisas estavam acontecendo de uma forma nunca antes vista, que Nightingale já não sabia distinguir bons sinais de maus sinais... Ela escutava milhares de sons vindo dos prédios, quase como milhares de passos e logo em seguida pessoas nos parapeitos do mesmo, ela achava aquilo bizarro.
"Qual a chance de todas as pessoas do Times Square saírem da rua para entrarem nos prédios, sem exceção?"
Estava cética ao quanto aquilo serem todas as pessoas normais que deveriam estar nas ruas e nos prédios, temia pelo pior, que fossem algum tipo de observadores do fenômeno obviamente sobrenatural que estava acontecendo, torcia fortemente para estar erradíssima. Assim, encapuzada, com seus óculos escuros escondendo sua identidade secreta, Nightingale esperava o homem voador aterrissar, para então ver o que viria, mas ainda não podia esquecer do mascarado, precisava apressar-se em levá-lo para algum lugar que pudesse se recuperar, queria muito que esse homem voador pudesse ajudar, mas como podia confiar alguém ferido a um estranho? Todavia, tinha ainda que averiguar Alex, quanto mais rápido pudesse se apressar em deixar o máscarado a salvo, mais rápido podia checar se seu melhor amigo estava bem e imediatamente Abigail estranhava que não sentia tanta urgência na verdade, pois a preocupação era um tipo de medo e esta parte não fazia mais parte de si.
"Mas o que... Está acontecendo comigo?"
Essa duvida surgindo em sua mente, não sentir medo começava a fazer Abigail a pensar se estava de alguma forma virando mesmo um monstro até mesmo por dentro, pois não temer verdadeiramente por quem amamos, significa que ainda podemos amar? Abigail estava confusa, e entrava em uma breve crise existencial, mas tinha de manter o foco, pelo mascarado e pelo Alex.