Dafodil tinha um grande comércio, mas a qualidade era horrível. Nergal buscava as duas listas, consegue arrumar quase tudo, com algumas "adaptações". O tal maracujá e as musas paradisíacas ele não achou.
Os preços eram tão ruins como os produtos, mas Nergal se recusava pagar demais, e tanto pechincha que acaba conseguindo tudo por 5Ж.
Depois de se aventurar no comércio, ele dá uma passada no templo, e as coisas não pareciam nada bem. Dois grupos discutiam vigorosamente perto do portão principal, ambos pareciam representar a Corte dos Milagres, mas a hostilidade verbal era clara, é alguns pareciam prontos para ir para a física. Eles mantinham as mãos prudentemente longe dos cabos das armas, mas muitos mostravam ostensivamente os dentes.
Num lugar com apenas humanos e demônios, Nergal se destacava como um elefante pintado de amarelo. Mestre Fah rapidamente o vê e chama para falar reservadamente na parte posterior do templo.
- Mestre, vim procurar notícias, mas parece que a situação aqui é mais grave do que meus problemas, o que está acontecendo?
- Creio que as duas dúvidas estão relacionadas.
-?
- Tinafe foi procurar uma anciã chamada Velora, para ver se encontra uma maga branca para vocês, e no meio do caminho um guarda da Corte deu-lhe uma má resposta, e ela o matou, agora alguns estão exigindo retaliações.
- Posso fazer alguma coisa para ajudar? E onde ela está agora?
- Não pode ajudar aqui, os ânimos estão exaltados, mas ninguém da Copa de Ânima é imprudente o bastante para fazer algo às claras contra o templo, porém se souberem que é um treinando de Tinafe no momento pode trazer problemas.
As palavras "às claras" deixam Nergal com uma pulga atrás da orelha:
- Devo evitar vir aqui, por enquanto, mestre?
- Não, não... não deixemos que disputas internas mudem nossos valores. Mas cuidado com o que fala e em quem acredita. - Ele dá ênfase nesta ultima parte, e acrescenta em tom baixo e sério: - As pessoas ouviram "rumores" de que um demônio realizou um ataque com magia branca, isto é algo que se espalha rápido. Se ouvirem "rumores" que um anjo manipulou magia negra, as pessoas entrarão em pânico. A maioria teme o que não entendem ou o que não controlam.
O mestre dá alguns segundos para digerir o conselho, depois continua:
- Sua maga está procurando uma maga branca para ajudá-los; minha última notícia foi que eles estavam no portão norte da cidade, até o arcebispo foi chamado, mas ainda não voltou. Então por enquanto é tudo que sei.
Os dois se despedem, Nergal volta para mestre Josan, tinha que resolver uma coisa de cada vez. Chegando perto da janela ele vê o filósofo novamente de besta em punho, pronto para atirar, e tem que mudar o rumo para o lado da janela.
- Ei! Sou EU!!!!!!
- Por que você não usa a porta?
- Você não me deixou entrar pela porta da última vez. - Nergal aparece na janela, Josan estava tentando manter mira, o que definitivamente era difícil pela sua vista ruim, portanto ele continuaria atirando em qualquer coisa que entrasse pela janela, já que não distinguia ninguém de longe.
- Eu não gostava de você da última vez. Na verdade ainda não gosto. Ma'bah, o que quer?
- Eu trouxe os ingredientes daquelas listas...
- Ma'bah! Bom, pelo menos assim pode começar aprender alguma coisa. - Ele pega os trens e analisa. - É, tudo nesta ilha é de péssima qualidade. Saudade de Gaja! Quanto gastou? Pois é, em Gaja com 4Ж compraria tudo pelo triplo da qualidade. Mas quem não tem cão, caça como gato. Vamos precisar de uma mesa limpa.
Ele dá uma olhada na sala. "Limpa" era algo que não se podia falar de nenhuma mesa por ali. Aliás, não só das mesas.
- Acho que vamos ter que ir lá embaixo.
A parte debaixo da biblioteca/loja/casa/laboratório/depósito do Sen era um pouco menos bagunçada que o andar de cima. Só um pouco. Mas estantes com mais livros, pergaminhos e muita vidraria, alguns ossos esparramados que não dava para se saber se eram para estudo ou restos de alguma refeição. Haviam duas mesas e sete cadeiras. Todas as cadeiras tinham algumas peças de roupas em cima, nem todas masculinas. Haviam algumas capas nos encostos, e mesmo não sendo bom em heráldica, Nergal percebe vários símbolos/brasões diferentes.
- Bom, para preparar uma receita de mana branca, é preciso preparar inicialmente o ambiente, e a mente. Aliás, é preciso preparar anteriormente a mente antes de qualquer receita que se faça. A mana branca é a mana da ordem!
Era difícil imaginar que qualquer receita de mana branca era preparada ali a muito tempo, pois "ordem" não era algo que tinha muito por ali. Josan começa tirar as coisas da mesa A para por tudo na mesa B, deixando assim pelo menos uma mesa livre. Nergal sugere abrir as janelas.
- Claro, bom abrir, quanto mais ar e luz puros no ambiente, melhor. - depois ele arruma um pano e um balde com água - Limpe bem a mesa. Meu último aprendiz, ou última, deveria ter arrumado estas coisas aqui. Mas parece que ele não arrumou. Ou era ela?
Nergal vence alguns centímetros de poeira, Josan procura algo num baú, então traz um forro para a mesa, devia ser a coisa mais branca e limpa que tinha por ali.
- Como cada mana se "manifesta" mais em certas cores, alguns magos ficam meio babacas com isto, acham que se são magos vermelho só podem vestir roupas vermelhas, se são magos verdes, tudo em sua volta tem que ser verde. Muito destas frescuras não passam de viadagem. Mas uma toalha branca ajuda a concentrar. Uma toalha bem limpa e branca pode ajudar concentrar em qualquer receita, seja para magia do ar, fogo, terra ou água, então não é porque faremos uma receita branca que ela precisa ser branca. Um forro amarelo ou azul claro não faria a menor diferença. Só um vermelho vivo ou preto atrapalharia um pouco a meditação, afinal é difícil meditar perto de estímulos vermelhos. Ainda assim um forro de seda preta novo e de alta qualidade seria preferível que um de algodão vulgar de baixa qualidade ou muito usado.
Ele coloca um castiçal e uma pequena tigela de prata com água em cima da mesa, acendendo a vela.
- Devemos concentrar no elemento que queremos canalizar, no caso ar e luz. Mas ter presente alguns componentes de elementos primos pode ser "interessante". No caso temos a vela para o fogo e a tigela para água. Não precisamos encher de velas ou de tigelas grandes, pois não é nosso foco. Se fôssemos fazer uma receita de mana verde, deveríamos encher a mesa com pedras, flores e vasos, montes de areia ou terra pura; a vela continuaria sendo um componente de elemento primo, mas neste caso poderíamos trocar por incenso que seria um fogo ainda melhor, já que representa um fogo com a madeira, a água poderia ser substituída por algas, dependendo do que se queira. Se fôssemos fazer uma receita baseada em água, então poderíamos ou usar uma tigela grande, ou até um aquário, ou então vários copos, mas teria de ser o elemento principal; poderíamos usar UM vaso pequeno ou mesmo um galho para a terra e perfume para o ar ou ainda levar a mesa para a luz das estrelas ou luas, já que podemos representar tanto com o ar como com a luz, neste caso o fogo ficaria fora, pois não é elemento primo da água. No nosso caso não colocamos componentes da terra pois ela não é elemento primo do ar.
(pausa)
- Muitos magos usam objetos de prata. A prata é um dos elementos de melhor canalização para QUALQUER elemento, de branco a negro, de água a fogo. Mas embora a canalização seja melhor, a magia envolve outras partes. Para a magia BRANCA o ideal é o ouro, mas eu não tenho dinheiro para tigelas e castiçais de ouro. Se você for especializar-se em magia branca, talvez tenha que investir mais. Os objetos não precisam ser maciços, digo, não em 90% dos casos. Um objeto banhado a ouro é quase tão bom como um de ouro puro, e mesmo um objeto com apenas algumas linhas-guias de ouro já faz uma boa diferença. Já quem investe em alquimia usa objetos de mármore ou ósmio, são materiais de péssima canalização, por isto usados por alquimistas experientes, mas eles não deixam os encantamentos perderem as propriedades mágicas com o tempo.
Ele então começa colocar os ingredientes da lista branca na mesa.
- Você disse que podia trocar as musas por água de coco...
- Sim, ou por sais de kalium. Acho que os sais eu tenho aqui. De qualquer forma com água de coco desce melhor. (pausa) Bom, estão aqui, quer fazer uma prece primeiro?
- Faz parte do ritual? Tem alguma forma específica?
- Várias... Nenhuma... Esta pergunta terá que fazer para o seu sacerdote. Faça, ou não faça, o que importa é que entenda que a preparação dos ingredientes é tão importante como os ingredientes.
O mestre Sen fica em silêncio até que Nergal decida se e como fará uma prece.
Ele espreme o limão e as laranjas num copo, amassa a manga com um almofariz (de mármore, aparentemente), junta ela com o gel aloe e gengibre, depois com o suco das frutas cítricas, dilui a água de coco com a água mágica (que Nergal descobriu que tem gente que vivia só de preparar água mágica) e vai juntando tudo no almofariz até conseguir algo homogêneo, depois bate a mistura com um tipo de fue pequeno até acreditar que estava na consistência que queria.
Ele experimenta um pouco: - Acho que é o que podemos fazer com as coisas encontradas nesta cidade!
Ele passa a mistura para Nergal. O gosto até não era ruim, embora um pouco "exótico", a textura um pouco estranha.
- Demora fazer efeito?
- Como eu disse antes, é uma poção anti-depressiva. Está se sentindo menos deprimido?
Ele espera a resposta, Nergal questiona se a poção era só uma medicação anti-depressiva.
- Não, deve potencializar sua mana branca também. Isto pelo menos se tivéssemos ingredientes de boa qualidade e se a nossa preparação tiver sido feita com a concentração certa. Está se sentindo potencializado? Caso não, pelo menos aprendeu alguma coisa.
(pausa)
- Bom, agora é hora de pensarmos um pouco na magia negra. A magia negra não é tão difícil de se usar, mas é uma das mais difíceis de se estudar. Uma verdade inconveniente é que os magos ainda sabem pouco sobre a magia negra e sua dinâmica. Por muito tempo os magos negligenciaram estes estudos, seja por má-fé ou seja por acreditar em conceitos errados.
Um destes conceitos errados é que a magia negra é o oposto à magia branca. A mana negra se comporta de forma atípica em relação aos demais elementos, sendo assim dizer que a magia negra é o oposto da magia branca trás a ideia de que basta fazer o oposto de tudo que a magia branca faz, para ter magia negra. Se a magia branca funciona na ordem, a magia negra deve funcionar então na desordem, certo? Aí com este pensamento você tenta usar magia negra na desordem, e consegue. Até aí tudo parece confirmar o pensamento: se a magia negra funciona na desordem, ela é o oposto da magia branca. O erro está em que a magia negra não precisa necessariamente desta desordem, ou seja: mesmo se você preparar uma magia negra num ambiente organizado, ela irá funcionar. Consegue acompanhar o raciocínio?
E há outros problemas. Segundo as magilogias oposistas, a terra já é o elemento oposto ao ar, como então a mana negra poderia ser igualmente oposta ao ar? Só se ela se assemelhasse à magia da terra, mas isto não acontece. Na mesma linha de pensamento, ela se desassemelha de todos os demais elementos, como então poderia ser ou deixar de ser oposta a qualquer um deles?
Bom, há algumas "soluções" e "dificuldades" sobre isto em cada teoria magilogista, mas não estou afim de debater isto agora. Por enquanto foquemos na questão da mana ser ATÍPICA.
No que tange tudo que vimos sobre preparação de uma receita de mana branca, você gostaria de arriscar teorias sobre como proceder quanto uma receita de mana negra? Vamos lá, seja criativo e tente imaginar em detalhes, mesmo que eles pareçam ridículos.