Connor Mcleary

Connor: Enchi o tanque com o que deu. Valeu pela mão.

"É pra isso que amigos servem. A gente tá de boa cara." Ela diz balançando as mãos como se espantasse um mosquito.

Connor: Tem uma surpresa pra você no porta-luvas.

"Legal! Eu adoro surpresas!" Os olhos brilhando.

"É. Os primos que roubaram a minha casa." Ela diz sem esconder o rancor.

A música morre um instante antes de reiniciar com um chiado que logo desaparece quase por completo.

Era difícil olhar pelo espelho. O ângulo ficaria melhor se ele tivesse pensado nisso quando estacionou. Mas como ia saber. Elas eram menores no espelho. Tudo era.

A loira era forte, parecia uma atleta olímpica e não uma levantadora de peso. Pernas longas. Pele bronzeada. Roupas discretas. Calça camisa e jaqueta. A outra ficava fora do limite da visão,  ele podia ver um pedaço da cabeça colorida e um dos ombros da jaqueta assimétrica e cheia de brasões e botões coloridos com símbolos estranhos. Nada que fizesse elas parecem urathas. Não pareciam armadas, mas a colorida tinha uma mochila surrada que podia ter qualquer coisa dentro.

"Quer chegar e sentar um pouco?" Ela olha pra dentro e de novo pra ele. "Mas fica esperto, eu sei que o cérebro de vocês para de funcionar quando vê esse tipo de garota." Então ela prossegue com uma voz engraçada. "Elas cheiram a doce, tão arrumadinha e tem sotaque tão gostoso." Enfia o dedo na garganta fazendo som de engasgar. Depois ri.

"Tomar de volta." Ela fala alto demais e encara de volta o olhar que recebe dos motoqueiros. " Merda." Sai num suspiro assim que eles param de olhar. "Boca grande. Mas isso me deixa louca. Eu tô pronta. Falta tão pouco." Ela entra no lugar rindo da brincadeiras de Connor, mas não comenta nada sobre maconha.

Ao chegar perto da mesa, onde os outros estavam se sentando e Eadrick permanecia de pé jogando o peso de um lado para o outro devagar, ela apresenta as duas a Connor.

"Essa é a Charlotte, ela alcança as prateleiras altas, vocês têm muito em comum. Essa aqui é a Zhenya, ela é mais do tamanho de gente mesmo..." Ela para a frase nesse ponto. Mas não era um problema já que Charlotte rapidamente preenche o vazio.

"Prazer Connor. " Ela estica a mão para um aperto confiante. Já Zhenya faz uma reverência meia boca sem tirar os olhos do celular.

"Ela é assim, um docinho mesmo. Charlotte aponta Zhenya com os olhos.

"Eles precisam ir, nos estamos incomodando." A voz de Zhenya era inesperadamente simpática e feliz. Combinava com sua aparência, mas não com a atitude distante.

Charlotte pega o celular da outra. "Quem Tá incomodando é você. Nem todo mundo tá com pressa."

"Eu tô." Eadrick fala rápido, com pressa. "Você vem comigo." Ele aponta Rail e ela parecia já esperar isso.

"Valeu grandão, tô indo fazer serviço de limpeza." Ela olha Koji e Jenna com uma cara travessa. "Enche o tanque e deixa ela no lavagem a seco." Um sorriso vencedor no rosto caramelo.

Koji pega a chave que ela joga, a mesma que Connor tinha devolvido a pouco. "Ok, cê venceu essa." Com uma cara decepcionada. Rail parecia prestes a responder, mas foi puxada pelo casaco na mesma hora.

"Sem tempo irmãzinha. Sem tempo." Eadrick reclama sem parar de andar.

"Ouvi que você foi dentro do território deles a pouco tempo." Zhenya fala e agora a voz parece com o resto. Doce. Jenna concorda com a cabeça mesmo sabendo que a pergunta não tinha sido para ela.

"Tão cutucando os caras." A Rahu tem uma voz baixa e lenta. "Ele até pegou uns ossos lá." E mostra uma pulseira discreta com quadradinhos cor de marfim.

"Viu esse cara?" Charlotte uma foto cara que perseguiu ele pela ruas de Sparhall.

"Hora ruim nada. Senta, toma alguma coisa quente. Tá em casa." Jenna fala, cada palavra mais preguiçosa que a anterior.

"Devon Cartwell. Os Cartwell são uma maré de azar." Charlotte parecia sentir frio com as mãos segurando os ombros.

"São mercenários. Sem território. Sem honra. Eles caçam o que você pagar. Mas mataram mais guardas do zoo do que eu consigo contar." Era Koji. Uma irritação clara fervilhava debaixo das palavras.

"Eles tão na lista." Zhenya. "Não é nada pessoal. Tem uns caras que precisam de um encontro íntimo com dor, desespero e humilhação. Eles tão na lista. Cresler é o pior. Mas é difícil se achar. A gente não sabe se velho tá aqui e muda tudo se ele tiver." Ela faz uma cara de emburrada que é quase infantil de tão adorável.

"Sabe mais alguma coisa deles? Sabe se tem mais de um Cartwell aqui?" A pergunta era para Connor.

"A loira tá por aí." Jenna. Devagar. Como mel escorrendo numa manhã fria.

Charlotte coloca outras fotos na mesa. Uma pior que a outra. Gente que ele nunca viu. Duas mulheres. Uma loira e uma morena. Quatro homens. Devon, um outro elegante onde Devon é bem vestido, um grande pedaço de carne peluda e um velho meio apagado recortado de uma câmera de segurança. Difícil de ver, mas ele reconheceria o homem em qualquer lugar.

Connor viu esse rosto rasgado numa pele fresca, emoldurado em sangue. Era o homem que tinha matado trovão.

"Velho desgraçado." Uma voz feita de eletricidade perfura a cabeça do rahu. " Eu só precisava de um dia. Um dia e toda essa merda teria sido evitada. Um dia e você nem ia saber quem é esse bosta." Ele sente as mãos se fecharem em punhos apertados. "Vou arrancar o coração desse filho da puta e você vai comer ele por mim."

Connor sente a presença sumir e percebe que estava aprendendo a respiração.

Agora ele sabia. Cresler Cartwell estava em Dover.

"É cê pode tá certo." Zhenya sorria animada. "A gente não quer se meter com os milicos. Eles sempre perdem a linha." Então o sorriso se torna algo afiado e diabólico em um rosto pequeno e fofo. "A gente trouxe um segredinho pra lidar com totens." O celular faz um barulho na mão de Charlotte e ela transfixa a loira com um olhar assassino.

"Valeu. A gente vai lembrar disso." Charlotte recolhe as e as coloca em um caderninho que ela joga em uma bolsa esportiva pendurada no ombro. "Se tudo der certo a gente deixa um presentinho pra vocês antes do fim." Um sorriso grande com dentes bem brancos em um rosto dourado pelo sol.

Por sorte a voz não responde dentro da cabeça dele.

Jenna levanta devagar quando Connor fala com ela. Nenhuma resposta. Mas ela anda até um fliperama velho e coloca duas moedas. Uma versão muito velha e granulada de "the King of fighters"

Ela espera ele chegar pra escolher um personagem, mas não diz nada mesmo assim.

Connor: Eu gosto de bisbilhotar, mas não vou…

"O seus amigos não sabem, seus inimigos não podem descobrir." Zhenya com a mesma animação. As palavras soam repetidas de alguma forma.

Connor: Uma massagem e uma garrafa de scotch seria maravilhoso

"Eu prefiro as minhas com óleo, mas não vou julgar." Charlotte sorri com todos os dentes bem brancos. "Scotch tem gosto de madeira velha. Prefiro carne fresca." Ela molha os lábios com uma língua vermelha e viva.

--

"Não tenho o que conversar disso." A voz sem nenhuma vida. "Ela sabia os riscos. Você tem sorte de estar aqui. Eu também." As últimas palavras como pedras.

"Eles vão te enlouquecer e vai se arrepender." Ainda sem nenhuma animação ou dúvida. Ela parecia ainda menos que antes.

Ele pede desculpas e ela resmunga.

Ela se retrai com o toque dele. Mas quando ele se vira pra sair a voz dela soa atrás dele com raiva.

"Cê fala essas merdas e mete o pé?" Connor se vira para encontrar ela encarando. " Melhor pegar o guarda chuva enfiar no rabo e sair voando Mary Poppins." Cada palavra um rosnado baixo que torcia o rosto dela.

Connor: Óleo vai te deixar cheirando por semanas…

"As vezes é bom ser encontrada." Um sorriso que dizia bem mais que as palavras.

Connor: Carne fresca é melhor, mas eu to acostumado a caçar a minha.

"Pena que vai poder me levar para caçar."

Zhenya ri escondendo os dentes e empurra de leve a companheira. "Você fala demais."


--

"Então cê volta pra falar mais merda." Mas não tinha mais veneno na voz.

"Cê quer mesmo falar da minha mãe ou só de você?" Ela volta a olhar pra tela do fliper. Os olhos indo de um detalhe a outro.

"Não acredita em sorte? Nunca ouviu a história dos sete sortudos?" Ela faz um chiado com a boca. "Eu não sei se tinha outro. Acho que foda-se se vocês acreditavam que ela tava além de qualquer salvação. Mas não sou nenhuma idiota, sei que ela tava além de qualquer salvação que vocês pudessem fazer." Ela dá de ombros, mas a ultima coisa que ela era é indiferente.

"Cê deu sorte, me contaram cada detalhe daquela noite. Cada segundo. Cê deu sorte, não tava sozinho e ela não tava com a faca." Ela respira fundo mastigando alguma frase. "Eu dei sorte, não era eu lutando com ela."

Um suspiro. Uma pancada no stick e um xingamento pra tela. "Dormir como? Tem sempre um puto cheirando o meu canto. Indo atrás dos nossos aliados. Dos amigos deles. Dos caras que a gente suborna." Ela olha em volta e vê uma dupla de motoqueiros olhando os dois. Ela mostra os dentes em um sorriso nada amigável. "Quer um pedaço?" eles não desviam o olhar.

Connor: É… Basicamente o que a gente tem feito com eles, mais multas de trânsito, e eu ainda tenho filhos, sei como é não dormir, não dormir é quase tudo que eu faço

"A gente tá totalmente fodido então. Se ninguém dormir vai tudo por água a baixo." Ela suspira sem tirar os olhos da tela. "Os urubus circulando. As hienas gargalhando de antecipação. Até a porra dos vermes se revirando. A gente tá fodido, mas eles tem que se foder mais." Não tinha convicção. Não era uma afirmação ou profecia. Era uma esperança esgarçada ganhando voz.

Connor: Desculpa aí parceiros, TPM é só TPM.

Eles riem imediatamente desarmados. Ela não. Connor consegue ouvir os ossos estalando nos punhos fechados. O rosto vermelho. Os pés se arrastando numa direção perigosa. Um rosnado no fundo da garganta.

Connor pergunta sobre as pulseiras e vê que o interesse dele causa um bom efeito e a irritação de Jenna também. Uma palavra estranha de Koji se mistura a música ruim e Connor nem sabe que língua ele usou, mas de alguma forma virou o novo alvo de Jenna que num estalo quebra os dois 'sticks' do flipperama e mostra um para uratha enquanto se apressa pro banheiro.

Os motoqueiros riem sorrisos amarelos. Eles tinham ouvido o estalo de metal partindo.

"Quer ficar com essa? Cê vai precisar." o maior dois dois oferece a faixa preta cheia de espinhos de metal.

Jenna não responde. Mas não machuca ninguém. koji pega uma garrafa vai andando na mesma direção que a companheira de alcateia.

"Relaxa cara. Ela um caco e tá puta que botaram ela no gelo." Ele olha Connor dos pés a cabeça. "Vai dormir você também. Cês tão rachados e os caras vão te botar onde eles querem." Ele olha pros dois motoqueiros na mesa ainda rindo. "Anne quebraria uns dentes. Amy quer que a gente não bote um dedo neles..." Ele dá de ombros. "Até depois."

Ninguém incomoda ele na saída, mas olhos seguem ele o tempo todo.

Ela chega de barco em uma Marina particular praticamente abandonada. Era mais barato. Um barco grande e meio velho, provavelmente era pesqueiro. Não era uma lancha de passeio. Era o tipo de barco que passaria uma ou duas semanas no mar com uma tripulação pequena. Era decorado como se fosse uma casa pobre na praia.

Tuya esperava perto do barco conversando com uma mulher mais nova que vestia cores alegres e um pouco dissonantes. Ela percebe Connor rápido, não podia ser de outra forma. Ela sorri um grande sorriso cheio de dentes brancos e corre para ele. A outra mulher não se move.

O abraço apertado. O beijo quente e faminto. As mãos que apertam a pele sob a roupa. O hálito quente no rosto. O cheiro familiar misturado com o mar. Misturado com saudade.

"Eu voltei rápido." Nem tanto assim. " Eu trouxe tudo que eu tenho. Tudo. Quero te mostrar. Minha irmã, Arban, é aquela." Ela segura a mão do lua cheia e o leva sem pressa até a mulher pequena, menor que ela.

Arban olha Connor com olhos arregalados como se ele fosse uma espécie de monstro. " Ela não fala sua língua. Nem um pouquinho." Então Tuya faz uma saudação e a mulher a repete, ela parecia jovem, ou talvez se vestisse jovem. Era difícil saber. Logo depois Tuya mostra a cobbir como retribuir a saudação.

"Os outros estão lá dentro. Minha alcateia. Eles não são o que você espera." Ela não demonstrava medo ou vergonha, somente antecipação. "Não desceram porque não quero transgredir nada. Eles não são uratha. São predadores. Caçadores. Como nós. " Ela coloca a mão no peito. A irmã olha de um pro outro sem mostrar que entendeu nada. Parecendo absolutamente perdida.

Tuya respira fundo preparando suas palavras. "Artrid é vampira ela sofre como a loba da nossa tribo." Não que eles fossem uma tribo. "Heron é um dos filhos da mãe da noite. Um pesadelo é uma boa palavra." Ela sorri aliviada por um momento breve. "Eu sei. Mas são minha alcatéia. Vão onde eu vou. Ficam onde eu fico." Não era um desafio, um aviso.

"Eles podem descer?" Ela olha para o barco e mesmo no escuro Connor percebe as duas silhuetas imóveis.

Meses. Muitos meses antes de um retorno estranho.

Quando Connor diz que eles podem descer Tuya sorri. Um momento depois um dos vultos avança, mas só um passo. O sorriso de Tuya desapareceu. Uma expressão ferida no rosto.

"Eles não vem." Ela olha para a irmã e aponta o barco, Arban sobe confusa. "Vem." Ela fala com Connor, a voz baixa. Triste. Ela anda em silêncio para longe. Nenhuma palavra, só passos.


"Você quer conversar onde eles não podem ouvir. Não podem ver." É o que ela diz quando saem da Marina, longe demais para ver o barco solitário. "Diz..." Ela não olha para trás ou para o chão. Ela olha
Fixamente os olhos do lua cheia.