"Fique com a moeda que lhe dei, e em troca, espalhe que nós, da Irmandade do Sangue, chegamos à Lua Argêntea, e que salvaremos a cidade de Obould Muitas Flechas."
Uma mão esquelética para fora da manga, o som da moeda tilintando ao cair sobre o balcão, o seu leal companheiro goblin segurando a besta apontada para o sujeito num ato de rara coragem... Todas essas imagens se dissiparam e deram lugar a um clarão vivo amarelo alaranjado, com as chamas castigando a pobre construção de Jörmund. O Lar dos Desobedientes estava em chamas, e Nerók não era visto em lugar algum...
Johan acordou no meio da noite. Ele olhou para os lados, desorientado, tentando se situar onde estava. O seu coração foi se acalmando quando percebeu que estava no acampamento à beira da estrada com os seus amigos. O jovem mago Tom dormia ao seu lado, dividindo a cobertura da tenda. Para além da fogueira minguante que o grupo preparara para se proteger do frio, havia uma outra cabana, onde Belediel e Morwen deviam estar dormindo. Ao sair para dar uma respirada no ar da noite, ele viu que a drow estava acordada, vigilante; ela não teceu qualquer comentário sobre por que o cavaleiro tinha se levantado àquela hora da madrugada, e apenas permaneceu de olho nos arredores, atenta a qualquer sinal de perigo.
O vento frio roçou a pele de Johan, fazendo-o tremer por um leve instante. Naquele momento, ele se lamentou por Katon de última hora não ter podido participar dessa busca. O pequeno elemental de fogo foi chamado às pressas para um serviço para o exército de Sundabar, desfalcando assim o grupo que naquele momento viajava para o Subterrâneo em busca de parar a Irmandade de Sangue e reaver Nerók, o fiel escudeiro de Johan.
Kalilah, ou apenas Kali, estava a serviço do Rei Emerus Coroa de Guerra, o rei anão da Cidadela Felbarr, desde que conseguira escapar do Subterrâneo das terríveis garras dos drows. Excelente batedora, Kali costuma vistoriar os túneis dos anões que se conectam aos mais diversos lugares, especialmente as grandes rotas cujo o destino levam às outras duas cidadelas anãs das Fronteiras Prateadas: Cidadela Adbar e o, agora caído, Salão de Mitral.
Ela foi chamada cedo àquele dia para um trabalho bem peculiar. Ela teria que escoltar um kobold até Lua Argêntea. Era uma jornada de dias até a Gema da Norte e os superiores de Kali disseram que ao final da viagem ela teria que marcar uma audiência com a Grã-Senhora Alustriel, pois, segundo eles disseram, a figura mais importante de todo o Norte tinha alguma coisa a lhe pedir.
O encontro com o kobold se deu nas primeiras horas do dia, quando o céu lá fora ainda não tinha clareado. E o kobold que Kali teria que escoltar não podia ser outro além de Darksol, o único kobold que se tinha registro a conseguir passagem livre pela fortaleza anã de Felbarr. Eles foram se encontrar já no túnel de acesso à Lua Argêntea. Ambos sabiam como aquela viagem poderia ser cansativa e monótona e não havia muito tempo para eles criarem algum laço de afinidade.
A queda do Salão de Mitral foi algo inacreditável. Naín Darkstrider estava lá, na batalha em que culminou na queda da fortaleza, e ele se lembra perfeitamente daquele dia. Os anões passaram dias sofrendo um cerco liderado pelo próprio Obould Muitas Flechas. O exército inimigo era extremamente mais numeroso que o deles, era como se Obould tivesse escavado cada buraco do Norte e reunido todos os orcs que moravam nos confins da terra. A coisa toda ficou preocupante quando um clã de duergars conseguiu acessar a fortaleza anã de dentro e planejava um ataque massivo contra os anões. Graças a um grupo de heróis, os duergars foram rechaçados e obrigados a voltarem as suas cidades profundas e escuras. Houve um momento de alegria e esperança, mas foi apenas a calmaria que precede a tempestade...
O cerco continuou por mais seis longos meses, até que uma tribo de bárbaros acolhida pelos anões, os Leões Negros, resolveram se juntar ao exército de Obould, abrindo um túnel de acesso de dentro para fora para que os orcs pudessem invadir a fortaleza. Houve um massacre no interior do Salão, mas muitos escaparam por uma estrada subterrânea que dava acesso a Lua Argêntea. Naín fora um dos que conseguiram fugir do iminente massacre, embora não se orgulhasse disso. Chegando na Gema do Norte, outra surpresa: a cidade estava parcialmente destruída, devido ao ataque mútuo de dois dragões negros, ambos aliados de Obould.
Já se passou muitos meses desde o episódio dos ataques dos dragões, e Lua Argêntea, graças a ajuda de sua guarda de magos, já conseguiu reconstruir boa parte da cidade, ainda que haja resquício aqui e ali. A população local tem vivido dias difíceis, como se temesse um ataque repentino dos orcs. O Salão de Mitral era muito pouco para saciar a sede de conquista de Obould, que quer governar uma ampla terra para poder distribuí-la aos seus filhos, os príncipes dos orcs.
Naín tem tentado ajudar como pode nas defesas da cidade, por vezes patrulhando os arredores. Numa de suas patrulhas, ele viu quando um grupo de heróis - o mesmo que vencera os duergars, meses atrás - deixou a cidade, tomando a mesma estrada que levava em direção ao Salão de Mitral. O que o deixou mais perplexo, no entanto, e mais temeroso em tentar qualquer interação, foi que havia uma drow caminhando junto ao grupo.
Fazia dois dias desde que a Comitiva das Fronteiras partira de Lua Argêntea em direção ao Subterrâneo. Morwen era a responsável por guiar o grupo, e apesar de ser uma drow, eles tinham que confiar nela, já que ela tinha a confiança da própria Grã-Senhora Alustriel. Morwen não fez qualquer comentário a respeito da noite anterior em que Johan acordara de surpresa. Ela ia à frente do grupo, acompanhada de perto pelo próprio Johan, e seguidos por Belediel e Tom, na retaguarda. Ambos, a princípio, se recusaram a participar daquela jornada, mas foram convencidos pela Senhora Alustriel.
Á Tomdrill Flanae, ela prometeu que tiraria um pouco de seu tempo para ensinar-lhe tudo o que podia sobre magia, e à Belediel, Alustriel lhe prometeu que faria de tudo o que pudesse para restaurar o rosto de sua amada Nasri, ainda que não fosse algo simples de se executar. Assim sendo, o grupo estava formado para realizar a missão.
Eram 11 horas da manhã, o sol tímido se erguia para além das montanhas no horizonte. Em determinado momento da lenta caminhada, o grupo se deparou com uma manada imensa de brantas, em ambos os lados da estrada. Os brantas, animais típicos da região, possuem pescoços longos e são tão grandes quanto cavalos, mas com pernas mais grossas e poderosas. O topo do seu crânio possui uma crista óssea que termina em dois chifres paralelos no focinho. Essas criaturas, apesar de fortes, costumam ser presas fáceis de muitas feras que habitam as terras geladas do Norte.
Os brantas não representavam nenhuma ameaça ao grupo... exceto quando toda a manada de brantas começou a correr na direção deles. Os animais provavelmente haviam visto algo que os amedrontara, e agora milhares de brantas corriam exatamente na direção em que o grupo estava. Eles teriam que tomar cuidado ou poderiam ser atropelados por algum desses herbívoros em desenfreada velocidade.