Meileen - Shamps

Assim como os outros, Meileen também estava admirada com a descoberta e refletiu sobre as palavras simplórias do bárbaro.

- Questão cultural, Kros. Os povos bárbaros são mais simples, natural que sua cultura seja sem exageros visuais. Assim como as coisas élficas são mais refinadas, embora eu nunca tenha visto uma tumba élfica!

Julia era, sem dúvida, a mais empolgada com a descoberta. Ela parecia adorar a imagem do dragão. Era inegável a beleza da escultura, mas a elfa manteve seus pés no chão e não deu tanta importância àquilo.

- Geralmente dentro de tumbas costumam ter criaturas mortas, até onde sei - respondeu à clériga, mas não havia ironia na sua voz.

Allen estava temeroso, e com razão, não se sabe o poderiam encontrar ali.

- Com certeza, Julia, muito importante e por isso... deve continuar aí! Isso não está tão protegido à toa - ela estava curiosa também, mas estava tentando manter as aparências - e se for perigoso? Algum demônio que foi lacrado aí pela própria Solaris? Vão querer encarar isso aí?

Ao mesmo tempo concordava com Allen e com Julia. Olhou para todos no local.

Parecia que o grupo encontrava-se num impasse. Enquanto Allen gostaria de sair de la o mais rápido possível, Julia queria abrir a tumba para ver o que tinha dentro. Meileen tinha duvidas se havia algo muito perigoso que pudesse ter sido lacrado.

A maga Clover permanecia a uma certa distancia dos outros, olhando para o recinto, a mão apoiando o queixo. “Tanto um lado como o outro pode estar certo...”, argumenta reflexiva, “podemos estar prestes a descobrir um tesouro fantástico, ou estarmos libertando um mal terrível de uma outra época. A sala estava oculta, não era acessível por qualquer pessoa.”

Ela alça os ombros e suspira. “Bem, nossa missão original era descobrir o que os seres planta estão fazendo. Sabemos que o grupo anterior enviado para investigar esta perdido e que deixaram um monte de goblins mortos por eles. Estamos investigando estas ruinas faz horas, e ainda falta o lado direito,” explica de modo sucinto.

Kros saca sua arma. “Kros entendeu. Da pra abrir caixão quebrando mármore. Marmore quebra super-facil!”, diz, dirigindo-se ao sarcófago.

Clover da um grito histérico. “Você não entendeu nada, Kros!”

As palavras de Clover faziam todo o sentido, e ela também tinha razão quanto a missão deles.

- Você está certa, Clover - disse - mas há de convir que isso também é um belo achado!

Quando o grandão do Kros ergueu sua arma para quebrar a tumba, a maga gritou, e também a elfa, que segurou o braço dele.

- Tá maluco, cara - havia espanto em sua voz - mármore é caro! E tem todo o misticismo da situação. Você não pode ir quebrando túmulos alheios. E se você for amaldiçoado? Não vai quebrar nada - foi incisiva.

Olhou para Julia e Clover:

- Não tem só os homens plantas. Clover, lembra dos homens que nos atacaram? E se eles estavam atrás disso - e aponta para a tumba - talvez não tenha nada a ver, mas... e se tiver?

Ao se ver impedido tanto por Clover como Meileen, o enorme bárbaro se detem e da meia-volta, contrariado. “Mulheres falam uma coisa, querem outra, vai entender!”, resmunga para si mesmo.

A maga revira os olhos e balança a cabeça. Quando a elfa então fala sobre suas suspeitas, a principio Clover ignora, achando sem ligação nenhuma. Então subitamente ela para, a mente fervilhante. “Não havia pensado nisto, talvez sim tenha uma ligação! Eles estavam junto com os goblins, orientando... E aqui também estão estes goblins... Estão procurando por algo, que pode muito bem ser este sarcófago!”

A garota começa a andar de um lado para o outro, pensativa. Estava com um ar de indecisão. “Agora por que os goblins estavam na floresta, próximo da casa em ruínas de seus pais? Estavam procurando por algo mais? E qual a relação com os homenzinhos-planta? As coisas estão complicando cada vez mais...”

Julia, de braços cruzados e teimosa como uma mula, fala incisiva: “Bem, uma questão de tempo ate acharem esta sala. E é melhor nós mesmos abrirmos este sarcofago, do que eles. Solaris não nos causará mal algum, confiem em mim.”

Allen ergue uma sobrancelha, desconfiado. “Não foi voce que estava em duvida de abrir, por medo do que tenha ai dentro? Por que a mudança repentina?”

A cleriga fica ligeiramente irritada. “Não ter medo diante do desconhecido é tolice. Somente os tolos não tem medo de nada.”

Assim que Kros se afasta resmungando, a elfa apenas revira os olhos e balança a cabeça.
Clover faz uma raciocínio que não faz sentido algum para Meileen:

- O que a casa de elfos mortos tem a ver com isso aqui? - parecia que ela não tinha problemas com o passado - este lugar fica em direção oposta à casa de minha infância. A não ser que eles, procurando este lugar, tenham encontrado a casa e ido lá investigar  - e deu de ombros.

A discussão prosseguia de forma acalorada, com cada um expondo sua ideia, quando a elfa finalmente se aproxima do túmulo e o começa a examinar enquanto fala:

- Se for uma entidade ou objeto maligno que estiver aqui e abrirmos e liberarmos esse mal no mundo, estaremos ferrados. Se deixarmos tudo aqui e pessoas mal intencionadas o encontrarem, estaremos ferrados. Então que diferença faz? - continuou examinando e vendo como estava lacrado o sarcófago ou se tinha algum dispositivo para abri-lo sem recorrer a violência - quer saber? Vamos abrir!

Ela retira o livro da mochila e começa a folhear, para ver se tem algo relacionado àquele lugar, caso não ache nada na tumba.

- Também pode ser algo bom.

A maga fita a elfa, pensativa, organizando mentalmente as informações. “Talvez não tenha nada a ver, estivessem procurando este lugar aqui e imaginando que estivesse na floresta, mas quem sabe? Coincidência ou não, acho que vale a pena ir mais a fundo.”

Meileen pesa os fatos e finalmente decide por abrir o sarcófago, tendo o apoio de todos, exceto Allen, que ao se ver em minoria, se dá por vencido. “Bem, seja la o que vier dai, estarei preparado”, diz, sacando sua espada e ficando em posição de prontidão.

A elfa, querendo esgotar as possibilidades, pega o livro antigo de sua mochila e folheia, mas não encontra nada de útil para aquela ocasião. Restava apenas abrir a tumba.

Preocupada com uma possível destruição de um objeto de arte, Julia orienta Kros a apenas golpear os fechos das laterais do sarcófago para poder abrir a tampa sem danifica-la. O bárbaro, fazendo o uso de sua grande força, desliza a tampa para o lado para revelar seu interior.



Um cadáver ressequido enrolado em farrrapos permanecia deitado, suas mãos descansando sobre seu peito. Sua face estava enrugada, com vários sulcos demarcando sua feição. Havia uma luz azulada que emanava de todo seu corpo, e que pouco a pouca diminuía de intensidade.

“Ferrou!”, comenta Allen.

Era impossível não ficar tensa ao ver o gigante Kros abrir a tumba, pois ele podia destruir tudo com a mesma facilidade com a qual ela esmagava um biscoito seco. Por sorte, com as instruções das meninas, ele abriu normalmente e conseguiu preservar a arte.
Após suspirar aliviada, a elfa, assim como os outros, foi olhar o que tinha dentro do sarcófago e gelou com o que viu, uma múmia envolta em uma luz azul.

- Pela Deusa! - exclamou a elfa, começando a não gostar da decisão que tomou.

Olhou para brilho e para as garotas, esperando respostas.

- O que significa essa luz azul? E que, por um acaso, está se apagando - enquanto falava, já ia levando a mão ao arco, pois não esperava boa coisa daquilo.

Allen fora o que tinha tido a melhor reação. E a elfa concordou com ele.

Meileen, assim como os outros, se afastam e continuam a observar a múmia que se encontrava no sarcófago aberto. Julia parecia suar frio, olhando intensamente a sua frente. “Mas ferrou mesmo, Allen! Eu e minha curiosidade...”

Clover também estava preocupada, mas tinha em si um misto de medo e interesse. Com as mãos ela invoca “detectar magia”. “Esta luz azul é efeito de algum tipo de magia, que cobre todo o sarcófago e parece estar se acabando...”, comenta.

Kros, sem entender, inclina a cabeça para o lado. Ele alça os ombros. “Não sei porque todos estão com medo. É só um corpo morto, e parece que por muito tempo.”

Allen olha de esguelha para o bárbaro, irritado. “Pois nem tudo que é morto fica quietinho em seu canto! Este pode ser daqueles que querem comer sua carne!”

Aquela luminosidade azul, que estava fraca, finalmente se apaga.

E a múmia abre os olhos!

Infelizmente, Julia concordou com Allen e isso não foi animador. A maga se manifestou também fazendo uma magia e a elfa esperava com ansiedade a conclusão de sua frase, achando que ela tinha uma resposta para esse mistério, mas foi algo completamente inconclusivo, nisso Meileen segura no ombro da amiga:

- Mas isso, minha cara amiga, eu nem precisei de magia para saber!

Enquanto Kros e Allen discutiam, a elfa concorda mais uma vez com o garoto:

- O Allen está certo, Kros, tem morto que tem mania de se mexer por aí - foi quando a luz se apagava de vez e a elfa já impunha seu arco, preparando-se para atirar caso o defunto se mexesse - caramba, ele abriu o olho... droga!

O grupo fica na expectativa, todos juntos, de armas em prontidão, só esperando pelo momento certo de partir para o ataque.

A múmia pisca os olhos, fixando a visão nos heróis, imóveis e armados.

Ele então levanta uma das mãos, como se... pedisse para esperarem.

O ser ressecado da uma tossida, engasga, e então diz, numa voz gutural: “Não... ataquem. Não vou fazer mal.”

Os heróis se entreolham. Kros, com os olhos atentos no adversário, cochicha. “Seres malignos que não deveriam andar na terra dos vivos usam de mentiras para atacar de surpresa. Acho melhor atacarmos!”

Allen contrai os lábios, apreensivo. “Não sei... Confesso que esta reação eu não esperava.”

Julia parecia ter dominado sua ansiedade. “Não estão vendo! Não é maligno! Não tem porque um ser maligno estar dentro de um templo secreto de Solaris!”

Clover, duvidando, foi direto ao ponto. “Não tem como tirar esta conclusão Julia! Monstros existem em qualquer lugar!”

Surpresa pela reação da múmia e pela indecisão de sua equipe, a elfa faz a coisa mais plausível para aquele momento:

- Quem é você e por que está aqui? Por que deveríamos confiar em você?

Mesmo assim, continua de prontidão com seu arco a postos.

Diante da expectativa de todos, Meileen questiona a mumia. Vagarosamente ele se senta sobre a tumba, o pó acumulado ao longo do tempo se levantando numa nuvem rala. “Meu nome é Daryl Rudges, mestre-sacerdote do grande templo de Solaris, “Luz Arcana”. Dentro do Grande Império, “Luz Arcana” foi a maior de sua época, respeitada por todo o território conhecido. Mas a Grande Praga Mágica veio, causando morte e destruição, e para proteger a “Luz Arcana”, decidi utilizar o “Cetro das Eras” para mover o templo para o subterrâneo. Senti que o poderoso artefato me drenou de minhas energias, e isto foi a ultima coisa que me lembro...”

Julia imediatamente se põe de joelhos, a cabeça baixa. “Mestre-sacerdote, estou a sua disposição! Meu nome é Julia Von Haz Garibaldi, devota fiel de Solaris!”

Kros, balançando a cabeça, cutuca Allen. “Jeito interessante de monstro dominar inimigo. Só falar bla-bla-bla, historia, historia, historia e pronto, já vira lacaio!”

A elfa acha completamente estranho a atitude de Julia, mas ela era devota de Solaris, então fazer o que?

- Sério isso, Julia? - indaga para a clériga ajoelhada - Espera uma pouco... Daryl, certo? Você largou o templo aqui, mas ainda não nos disse por que tava numa tumba...

Daryl olha para o próprio corpo e para as mãos, tentando entender o que aconteceu. Ele balança a cabeça negativamente. “Isto, minha querida, também é minha pergunta. Entenda minha situação: eu acordo depois de salvar todo o templo, enrolado em faixas de pano velhos, meu corpo todo ressequido, minhas mãos enrugadas, com um bando de pessoas apontando armas para mim... Se alguém sabe a resposta, devem ser os meus subordinados, que me colocaram aqui.”

- Sabe, Daryl, acho que sua magia saiu pela culatra - disse em resposta à múmia - mas... e quem são seus subordinados? Eles ainda vivem? Aliás... você sabe em que ano estamos?

A elfa olha para Julia e pergunta:

- E que tipo de magia de proteção transforma pessoas em múmias?

Ela continua:

- Ah! As armas? Não nos leve a mal, seu Daryl, mas isso é para nossa proteção. Os mortos-vivos não costumam ser amistosos... sem ofensas! Você é um morto-vivo ou só é um humano ressequido?

A elfa lança uma enxurrada de perguntas para Daryl, que encolhe os ombros, desolado. “Mas que pena... A cidadela do templo de Solaris era uma coisa bonita de se ver, triste saber que ela ficou em ruinas. Meus acolitas deveriam ter cuidado do templo, mas se o que vocês me dizem é verdade, passaram-se 1000 anos...”, diz, em um tom lamentoso.

Julia se levanta, e parecia compartilhar da tristeza do múmia. Ela diz para Meileen, “magias de proteção não fazem isto, deve ter sido algum tipo de necromancia, ou ele já estava deste jeito depois que usou o artefato...”

A ultima pergunta de Meileen causa uma grande gargalhada em Kros, que apanha de Allen e Clover por não ser discreto. Daryl suspira. “Não creio ser um morto-vivo, não sinto energias negativas no meu corpo. Tenho pulso e sinto necessidade de respirar. Mas também não me sinto bem, tenho muito cansaço e fraqueza no corpo.”

A elfa olha estupefata para Kros por ele ser tão mal educado, mas sem saber o que dizer para Daryl assim que ele concluí não ser um morto-vivo, porém sua sinceridade inocente era incômoda as vezes.

- Então Daryl, você é o humano mais feio que eu já vi - ela se aproxima dele e estende seu braço para ajuda-lo a sair - vamos sair daqui. Creio que um bom banho possa dar um jeito nisso aí. Eu não entendo nada dessas coisas de necromancia e magia sei la o que, mas se você diz,  eu acredito. Puxa... mil anos, cara. Isso é muito tempo - ela parecia empolgada - vou querer ouvir mais dessa história.

Ela olha para Clover e lembra que eles ainda tem mais coisas para investigar e continua:

- O que a gente faz agora? Com ele? - e aponta para Daryl - temos que continuar...

Meileen oferece ajuda para Daryl, que aceita de bom grado. A elfa percebe que a mão do homem era bem frágil e tremula, e com dificuldade e muita dor ele consegue sair do sarcófago. Ele arfa como se realmente tivesse 1000 anos de idade. “Muito obrigado, minha jovem elfa... Pelo que pude notar, possui a mesma vitalidade e irreverencia dos humanos. E creio que um bom banho relaxante realmente me faria muito bem.”

Clover, que observava a tudo com muito interesse, vai pra o lado da amiga para conversar em voz baixa. Com a mão no queixo e olhar fixo, diz, “posso dizer que o desfecho de toda esta situação foi totalmente contrario ao que tinha equacionado. Agora temos uma nova variável, que sinceramente, não sei onde se encaixa. De qualquer maneira, ele era o mestre-sacerdote, deve conhecer cada cantinho deste complexo.”

A elfa ri simpaticamente com o comentário de Daryl:

- Você é muito observador, Daryl - fala enquanto ajuda-o a se estabelecer sobre as próprias pernas - de fato, eu fui criada por uma humana e em uma cidade humana. Mal conheço outro elfo. Aliás, não conheço nenhum! - e sorriu.

Ela olha preocupada para ele quando ele arfa, pensando se ele aguentaria uma caminhada.

- Acha que pode nos acompanhar? Andar?

Depois, a maga Clover o observa e fala algo interessante:

- Tem razão, ele certamente conhece esse lugar como a própria mão, certo? - e olha para Daryl, ainda oferecendo ajuda a ele - estávamos em uma investigação quando nos deparamos com esse lugar. Há coisas estranhas acontecendo, mas... você foi o mais surpreendente, com certeza! Não que você seja estranho... quer dizer, é estranho, mas não esperávamos te encontrar, certo. Ahhhh ... você entendeu, né - ela se enrolava cada vez mais e viu que era melhor parar - enfim... vamos.

Daryl agradece a ajuda prestada por Meileen, que percebe o quanto o humano-múmia está enfraquecido, a pele ressequida a ponto de se romper. Ele tosse um pouco, e diz, com a voz fraca, “sinto-me como realmente tivesse 1000 anos de idade... Talvez se bebesse um pouco da água da fonte de Solaris, eu possa melhorar um pouco...”

Daryl aponta para uma das paredes do recinto onde estavam, com o dedo tremulo. “Por ali tem uma passagem secreta que leva ate uma plataforma, que ao ser acionada da acesso ao salão principal da cidadela. Poderiam me acompanhar?”