William-Simon

Sul de Gália. Forte de Kumbalgar.



Após uma longa e árdua cavalgada, a visão do forte de Kumbalgar era no mínimo reconfortante para William. Os muros de pedra da construção marcavam a presença da civilização em um território inóspito e praticamente inabitado, assolado por feras e bandidos. A viagem de William teve suas doses de emoção, mas isto era algo com que estava acostumado, enfrentando a injustiça e levando a palavra de Mitz aos locais mais isolados de Gália.

“Pensava que nunca iriamos chegar, Will” comenta sua companheira de viagens, Januar Whitley.



Januar portava sua indumentária de viagens, com o manto branco da Ordem do Punho do Valor, que era o braço armado de Mitz. A armadura não parecia incomoda-la, tendo sua proteção salvado sua vida inúmeras vezes.

A cleriga de Mitz abaixa o capuz, revelando seus longos e belos cabelos loiros. Estava suada e cansada, mas ver o Forte tão próximo foi o suficiente para anima-la. Kumbalgar tinha uma posição privilegiada, localizado por sobre uma colina alta, que permitia ver boa parte do extenso rio Shrill, que fazia fronteira com Siltanat.

“Fico me perguntando porque seu irmão James pediu para encontra-lo em um lugar tão longe... O que estava escrito na carta que voce recebeu?”, pergunta em tom curioso. Esta era a Januar que Will conhecia desde a época em que treinaram juntos no Condado de Dorset, sempre com a mania de querer saber de tudo.

Já havia passado da hora do almoço e eles continuavam no ritmo trôpego, pois aquele era o terceiro e último dia que tinham para chegar até Kumbalgar.

Embora extremamente concentrado em manter seu cavalo no ritmo correto, era impossível não olhar de relance, em alguns momentos, para sua companheira de viagens, amiga de muitos anos.

Ele e Januar Whitley treinaram juntos, chegaram à Ordem do Punho do Valor juntos e se sagraram, cada qual em seu respectivo caminho determinado (sacerdócio e paladinato) também juntos.

A amizade sempre permeara a relação e nunca houvera qualquer aproximação em sentido contrário. Até começarem aquela longa viagem juntos e as trocas de olhares se tornarem constantes assim como os momentos levemente constrangedores.

Suspirou assim que viu o forte e seus pensamentos rapidamente se dirigiram para o motivo de estarem ali.

– E por muito pouco não chegamos a tempo mesmo... – disse encarando-a por um momento e respirou fundo.

O suor estava impregnado em sua testa e pescoço. Seu capuz estava abaixado, mas em sua capa branca se via o mesmo símbolo que tinha no manto dela. Eram representantes da Ordem do Punho do Valor e estava ali a pedido de um membro muito próximo.

– Como sempre curiosa, hein baixinha? – disse rindo em sua direção, ela sempre fora mais baixa do que ele e o apelido fora meio óbvio, mas o mantinha desde a infância.

Em seguida, pegou a carta e a leu.

Will, preciso que venha ao forte fronteiriço sul. Você tem até o final do terceiro dia...

– Embora sejam poucas palavras, esse é o último forte de Galia vindo para o sul. Não faço idéia do que ele quer, mas para escrever tão poucas palavras e ser um prazo tão curto... – murmurou encarando-a, seguindo num ritmo mais cadenciado em direção ao forte – Bem, acho que logo vamos descobrir do que se trata. E talvez tenhamos tempo para ao menos nos recuperarmos completamente...

A indireta fora para lembra-la que ela ainda não havia parado para se tratar realmente , descansando após a rápida batalha travada com uma dupla de ogros nas montanhas.

– E por muito pouco não chegamos a tempo mesmo... – disse encarando-a por um momento e respirou fundo.

Ela mantem o olhar nos olhos de William, e então da uma risada divertida, exibindo seus belos dentes. “Não mesmo... Isto me faz lembrar do que voce falou para os ogros...”, diz, e imita a voz grave do companheiro, “isto Januar, temos que ganhar tempo para que a caravana com a carroça de ouro que está atrás da colina possa escapar!”

A cleriga leva a mão a cabeça, balançando negativamente. “Ainda bem que a inteligência dos ogros é a mesma dos contos... Poderiamos nem ter chegado aqui, se tivéssemos lutado até o fim contra eles...”

– Como sempre curiosa, hein baixinha? – disse rindo em sua direção, ela sempre fora mais baixa do que ele e o apelido fora meio óbvio, mas o mantinha desde a infância.

Januar faz um beicinho e cerra as sobrancelhas. “Baixinha? Hmpf, me lembre disto quando for ter que emprestar dinheiro novamente para voce... Como bem sabe, a informação tem que estar ao nosso alcance, duas cabeças pensam melhor do que uma, dizia a nossa mestra.”

– Embora sejam poucas palavras, esse é o último forte de Galia vindo para o sul. Não faço idéia do que ele quer, mas para escrever tão poucas palavras e ser um prazo tão curto... – murmurou encarando-a, seguindo num ritmo mais cadenciado em direção ao forte – Bem, acho que logo vamos descobrir do que se trata. E talvez tenhamos tempo para ao menos nos recuperarmos completamente...

A lembrança dos ferimentos faz com que a cleriga se de conta de que suas preces de cura não tinham sido suficientes para William. Sua face demonstra sua preocupação com o paladino. “Tem razão, desculpe. Vamos chegar la o mais depressa possível”, diz, e logo em seguida puxa o arreio de seu cavalo e o comanda a galopar em direção do forte.

**

Uma subida íngreme levava até o topo da colina, onde se encontrava o forte de Kumbalgar. O mesmo era defendido por arqueiros dispostos em cima da amurada, vigilantes de qualquer atividade suspeita. Ao se identificarem como membros da Ordem do Punho do Valor, William e Januar tem sua passagem permitida, e uma vez dentro podiam ver que aquele forte era tão grande como uma pequena cidade. Provavelmente anões de Hammerheim deveriam ter construído aquele forte, há muitos anos atrás.

O pátio interno estava até que bem movimentado, e William ao perguntar sobre seu irmão Lord James, logo é indicado a direção para a estalagem “Covil do Leao”.

A caminho da estalagem, Januar aparenta estar bem impressionada com a fama de Lord James. “Foi fácil encontra-lo, parece bem famoso... Como é este seu irmão? Durante o treinamento ouvia falar muito dele, mas não me lembro dele ter vindo te visitar alguma vez...”, pergunta curiosa sua colega de viagem.

William seguia trotando em seu cavalo com um sorriso zombeteiro no rosto. Não só pela lembrança dos ogros tolos atrás de uma carroça de ouro inexistente que facilitou a passagem deles, mas principalmente pela reação que ocorria todas as vezes em que ele a chamava de baixinha.

– Que bom que você veio nessa viagem comigo então... realmente, duas cabeças pensam melhor do que uma!

Encarou-a profundamente em seus olhos por um momento e sorriu, voltando-se em seguida para os vigilantes sobre a amurada do castelo.

– Sou William de Bacheur, membro da Ordem do Punho do Valor. E esta é minha companheira de viagem e também pertencente a Ordem, Januar Whitley. Pedimos humildemente acesso à cidade!

Respirou fundo e aguardou. Tivera que erguer um pouco o tom de voz, sempre soturno e cadenciado. Seu ombro esquerdo latejou e ele fez uma careta de dor momentânea. De fato, precisava urgentemente de um banho quente e descanso. Mas isso provavelmente ficaria para mais tarde, já que após a passagem ser liberada, eles tinham um destino certo.

Estalagem Covil do Leão, fora esta a indicação de um dos transeuntes da cidade que se descortinava aos seus olhos enquanto eles adentravam o forte. Seus olhos percorriam canto canto daquele lugar e ele estava maravilhado com a arquitetura, provavelmente elaborada por senhores anões de Hammerheim.

– Sério e polido... pouco dado a gracejos... – disse com um sorrisinho no canto dos lábios – É o típico paladino que você caçoava durante nosso treinamento... isso sem falar que é muito mais velho do que eu. Por isso, tivemos pouco contato, ele era quase como um tio! – continuou a falar, mas logo seu semblante foi ganhando contornos mais sérios – Mas para ele ter me chamado aqui, algo sério aconteceu. Ele faz parte do Círculo Interno da Ordem. – concluiu, encarando-a.

Após chegarem na estalagem, dirigiram-se primeiramente para os estábulos, deixando os cavalos para serem cuidados. Logo em seguida, se dirigiram de fato à estalagem, que ainda não estava cheia, mas com certeza logo estaria, embora já tivesse um sem número de pessoas por ali.

Passeou os olhos pelo ambiente a procura de seu irmão.

Januar ouve a explicação de William acerca de seu irmão, visivelmente impressionada com a menção da posição dele dentro da ordem. “Membro do circulo interno? É ele um dos que decidem os rumos de nossa organização? Sua família é realmente muito importante... Enquanto isto meu irmão está em duvida se vai ser sapateiro ou se alista no exercito...”, diz fazendo graça.

Depois de guardarem os cavalos, os dois adentram a estalagem. E não demora muito até que encontrem Lorde James. Ao ve-lo, por um instante a memoria de William se volta para muitos anos atrás, para o exato momento em que o cavaleiro James chegou ao castelo de Dorset portando as duas relíquias de Mitz que havia recuperado, a espada “Língua de Fogo” e o escudo “Fé Divina”, depois de anos longe de casa e da familia.



Logo a imagem se desfaz, e Lorde James permanece encarando-o com o rosto serio. Ele põe as mãos sobre os ombros do irmão, e num rápido impulso o puxa e o abraça forte. A sensação teria sido melhor, se suas costelas não doessem tanto.

“Jovem William, fico satisfeito em ver que chegou a tempo...”, diz, e ao verificar as condições da armadura, amassada pela breve luta com os ogros, leva a mão ao queixo,”hmm, mas parece que a viagem teve seus contratempos. Pois bem, vocês dispõem de 1 hora para se lavarem e se acomodarem na estalagem. A estadia de vocês já esta paga. Apresentem-se assim que estiverem prontos. Eu os aguardarei próximo da lareira, no salão principal. Agora vão!”

Subindo a escada junto de William, Januar parece um tanto contrariada. “É impressão minha, ou seu irmão praticamente me ignorou? Sério e polido é pouco para ele!”, reclama. Ao chegarem ao quarto reservado, notam que o mesmo estava com uma banheira com agua quente já esperando por eles, e entre os moveis apenas uma cama de casal. Isto deixou a garota mais vermelha que um pimentão. “Só pode estar de brincadeira, o seu irmão!”, diz, incrédula.

Ele teve que segurar um sorriso quando ela mencionou a família de ambos e balançou negativamente a cabeça, embora estivesse com as bochechas levemente coradas.

– Pois é... ele faz parte dos que decidem pra que região do continente temos que ir... – murmurou e logo se calou.

Pois viu seu irmão sentado e logo se adiantou até ele. Encarou-o por um instante, vendo a espada e o escudo que ele portava. Lembrava-se bem do dia em que ele recuperara aqueles dois itens consagrados de Mitz.

Afinal, fora naquele dia que ele tivera a certeza de qual caminho seguiria para sua vida.

Sentiu as costas doerem levemente com o abraço, mas de igual forma o apertou em seus braços. Fazia tanto tempo que não via o irmão mais velho que aquela sensação de dor nas costelas não tinha problema.

– Tudo bem, logo retornaremos! – rebateu a ele com a expressão fechada.

Enquanto subia as escadas, seus pensamentos estava voltados para o que acontecera a pouco e as palavras de Januar foram de encontro ao que pensava.

– Mas ele é muito sério mesmo... embora, acho que ele devia ter lhe cumprimentado! - respondeu, mas ela podia perceber que ele estava se segurando.

Na verdade, seu irmão fora tremendamente mal educado e aquilo de fato lhe irritou. Porque não a cumprimentara?

Com esses pensamentos na cabeça, nem percebeu a hora em que ela estancou logo depois de entrar no quarto. Esbarrou nela de leve e parou, olhando para os lados.

Olhou para a banheira, para a cama e ouviu as palavras dela. Vendo-a vermelha, engoliu em seco, mas...

– Vai que ele acha que temos algo além de amizade? – disse encarando-a profundamente nos olhos, mordeu levemente o lábio inferior e completou, rindo – Estou brincando. Pode tomar banho, espero lá fora e, na hora de dormir, fico no chão...

Respirou fundo e desviou o olhar, deixando seus equipamentos no canto do quarto e já se preparando para sair do mesmo.

– Mas ele é muito sério mesmo... embora, acho que ele devia ter lhe cumprimentado! - respondeu, mas ela podia perceber que ele estava se segurando.

Januar ouve surpresa aquelas palavras, dando um grande sorriso que logo é dissipado. Ela olha para o chão. “Tudo bem, não tem importância, não brigue com seu irmão... E... Obrigada por me entender...”, comenta.

– Vai que ele acha que temos algo além de amizade? – disse encarando-a profundamente nos olhos, mordeu levemente o lábio inferior e completou, rindo – Estou brincando. Pode tomar banho, espero lá fora e, na hora de dormir, fico no chão...

Se William não acreditava que alguém pudesse ficar mais vermelha que um tomate, ele teve a comprovação que existia, na pele de Januar. A cleriga, ao ouvir que tudo não se passava de uma brincadeira, abanou rapidamente o rosto, dizendo que o local estava muito quente. Seguiram-se momentos constrangedores, e quando o cavaleiro preparou-se para sair, a moça levantou a mão e uma palavra tentou sair de seus lábios, mas foi em vão pois William já havia fechado a porta.

Do lado de fora ele ve seu irmão James esperando do lado de fora. “Precisamos conversar... a sós!”, diz, levando-o pelo braço até um canto mais afastado da estalagem. Ao chegar lá ele da uma rápida olhada ao redor, para ver se havia alguém perto. Não havia. Com a voz severa, ele começa, “porque você veio com esta moça, William? Pensava que vinha sozinho... Alguém mais sabe? William, William, não sabe a enrascada em que esta se metendo! Os Dawson ficarão enraivecidos com isto! E lady Lucy? Não gosta dela? Melhor mandar esta sua amiguinha de infancia de volta para o condado, posso providenciar homens valorosos para lutar ao seu lado, não precisamos dela!”

Mal saiu do quarto e esbarrou em seu irmão. Seus pensamentos, que antes estavam em Januar que, possivelmente, banhava-se no quarto se dissiparam imediatamente.

– Tudo bem...

Estranhou o comportamento dele, mas deixou-se conduzir inicialmente como se ainda tivesse dez anos de idade. Até porque, pra ele tê-lo chamado pra ir tão rápido pra lá e agora se certificar de que estavam sozinhos, era porque devia ser algo muito sério.

Mas...

“porque você veio com esta moça, William? Pensava que vinha sozinho... Alguém mais sabe? William, William, não sabe a enrascada em que esta se metendo!”

– Você enlouqueceu? – acabou deixando escapar e estreitou o olhar em seguida, cruzando os braços na frente do peito – Eu e Januar estamos há meses combatendo a injustiça juntos. Viemos aqui por conta de sua carta e sua preocupação é...

Ambos iam falando ao mesmo tempo, mas as palavras seguintes dele o fizeram parar de falar imediatamente.

“Os Dawson ficarão enraivecidos com isto! E lady Lucy? Não gosta dela? Melhor mandar esta sua amiguinha de infancia de volta para o condado, posso providenciar homens valorosos para lutar ao seu lado, não precisamos dela!”

Lady Lucy... Respirou fundo ao pensar no que ela e os Dawson representavam. Suspirou ao lembrar dos acordos que seu pai, Conde Thomas de Bacheur, fizera com o Duque Rupert Dawson. E parte desse acordo envolvia, justamente, o casamento entre ele e Lady Lucy, a filha mais jovem do Duque.

Mesmo assim, algo na fala dele o irritou. Não sabia precisar o que, mas por hora preferiu não falar em sua noiva prometida.

– Januar vale mais do que 10 homens valorosos que venha a providenciar... – estava irritado e acabou demonstrando isso – Porque não me diz o motivo que me chamou aqui? Tenho certeza que isso é muito mais importante do que o que quer que você ache que existe entre eu e ela!

Tentava se controlar ao máximo para não brigar, mas estava difícil.

A discussão conforme avança pelos assuntos de Lady Lucy e Januar vai se tornando mais acalorada, e quando William demanda pelo motivo de estarem ali, os dois irmãos permanecem fixos, olhos nos olhos, cada qual mantendo uma postura desafiadora. Um atendente que estava passando por ali podia jurar que faíscas chispavam de seus olhos, e decidiu dar meia-volta, ao invés de invocar a fúria daqueles dois cavaleiros.

Lorde James recua, leva a mão a face, cobrindo por alguns instantes os olhos. Com a face severa, ele diz, “sei que Januar é tudo aquilo que você diz, mas tem que entender que as vezes existem fatores externos que influem na tomada de nossas decisões, e que a nossa família vem em primeiro lugar...”

O irmão suspira, e faz um gesto resignado. “Não vou mais brigar por isto. Tera um quarto ao lado dela, não há necessidade para constrangimento. Como voce disse, o que esta em jogo aqui é muito mais importante...”, diz, e batendo no ombro do irmão, passa por ele e vai para baixo aguardar ao lado da lareira.

**

Depois de Lorde James conversar com o dono da estalagem, um outro quarto foi providenciado para William, que pode também relaxar em um gostoso banho. O paladino se aprontou, e ao sair do quarto, percebeu que Januar também estava saindo do dela. William, acostumado a ve-la sempre com as vestes da Ordem, surpreendeu-se ao ve-la usando um vestido casual verde, que realçava seu belo busto com um decote em V.



A bela loira corou-se ao ver seu companheiro, e com um rosto sem graça, disse, “...ah, oi... É que minha armadura precisa de uns consertos, vou manda-la para o ferreiro... Será que Lorde James ira me censurar por causa desta vestimenta?”

Irritado, bravo, etc.

Era assim que ele se encontrava enquanto fuzilava o irmão mais velho com os olhos.

A tensão era tão grande que eles nem mesmo perceberam a presença de um atendente, que rapidamente os deixou naquela disputa familiar.

– Acredito que isso seja mesmo o ideal... – murmurou, despedindo-se momentaneamente dele.

Seguiu para o quarto ao lado, reservado para si. Preferiu deixar Januar banhar-se antes de falar dos quartos e ele próprio seguiu para o seu quarto. Deixou a armadura e suas vestes no chão e entrou na água logo em seguida. Ficou um tempo ali, pensando em tudo o que acontecera.

Ele não era de todo ingênuo. Sabia que a proximidade com a amiga podia ser encarada de forma equivocada por aqueles que os encontrassem no caminho. Ele próprio tivera pensamentos, digamos, pecaminosos com ela.

Balançou negativamente a cabeça e saiu do banho. Após enxugar-se, colocou novamente a armadura e as vestes, trocando entretanto a capa branca suja por uma outra capa branca limpa que tinha na mochila. Mais tarde lavaria a que estava anteriormente.

Pegou a espada e saiu do quarto, dando de cara com Januar saindo do dela.

Encarou-a nos olhos e acabou desviando-os por um mero segundo para seus seios, mas logo retornou os olhos para os dela. Era errado olhá-la daquela forma, mas ele próprio ficou sem graça, corando.

– Er...acredito que não... – murmurou sem graça – Ah, ele arrumou um segundo quarto pra mim... – continuou, apontando para a porta de onde saíra – Bem, vamos? – disse, apontando para frente.

Desceram as escadas e foram diretamente até seu irmão. Sentando-se na cadeira em sua frente, murmurou:

– Pronto, aqui estamos... o que aconteceu?

Lord James aguardava sentado ao lado de uma mesa, próximo da lareira. Ele assente com a cabeça para o irmão, que se sentava a sua frente. Então voltou seu olhar para Januar, e quase teve um ataque ao ve-la vestida daquela maneira. No entanto, ele tossiu um pouco, pigarreou e ofereceu outra cadeira para ela. “Perdoe minha indiscrição em não te-la cumprimentado anteriormente... Eu fiquei surpreso, não esperava que Sir William estivesse acompanhado. Fui rude e peço desculpas.”

Januar cora levemente, mas aceita graciosamente as desculpas. Lord James acena com a cabeça, satisfeito, e dirige aos dois a próxima fala. “Muito bem, como sabem, a Ordem necessita de todo material necessário para combater o mal crescente neste mundo. A Guerra pode ter acabado, mas os agentes do mal estão por toda parte, e ninguém sabe o dia de amanhã. Por isto, qualquer rumor sobre relíquias do passado devem ser investigadas, pois todas serão um instrumento poderoso nas batalhas que virão.”

Lord James pega sua caneca e toma um gole da cerveja. Faz uma pausa e continua, “dizem que Durindana, a espada feita em homenagem ao Santo Ardtan, encontra-se em poder do auto-proclamado rei Hobgoblin, na colina depois do rio Shrill.”

Ele teve que segurar a risada ante o quase ataque que seu irmão teve ao encarar Januar. Olhou de soslaio na direção dela e respirou fundo também, ela estava...

”Melhor não pensar nisso, Will..., pensou.

Ele sorriu para o irmão e assentiu com a cabeça no instante em que ele pediu desculpas. Ao menos, ele percebeu que agira de forma errada com ela. Januar não tinha culpa dos pensamentos impuros do irmão... ou dele próprio.

”Esqueça isso, Will... James estava certo no que lhe disse!”, continuou a pensar enquanto ele falava sobre a Ordem, a Guerra passada e sobre possíveis rumores de relíquias.

Nesse ponto, ele se empertigou e encarou o irmão. Havia um motivo claro para ele ter seguido o caminho de Mitz, entrando para a Ordem.

– Decidi que queria entrar para a Ordem justamente no dia em que você chegou em casa com “Língua de Fogo” e “Fé Divina”... – murmurou encarando-o, citando o dia, tantos anos atrás, que Lord James retornara a casa com a espada e o escudo consagrados a Mitz.

– Então, conte comigo para esta missão... – murmurou e encarou Januar por um instante – Ou melhor, conte conosco, certo? – completou, encarando-a.

– Decidi que queria entrar para a Ordem justamente no dia em que você chegou em casa com “Língua de Fogo” e “Fé Divina”...  

Lord James acena com a cabeça e bate sua mão no ombro de William. “E nos encheu de orgulho ver quão rápido progrediu dentro da Ordem. E esta será sua chance de provar ainda mais o seu valor.”

– Então, conte comigo para esta missão... – murmurou e encarou Januar por um instante – Ou melhor, conte conosco, certo? – completou, encarando-a.

Com o rosto sério e determinado, a jovem acenou com a cabeça. “Conte conosco, Lord James!”

O irmão mais velho olhou para os dois, satisfeito. “Ótimo... Bem, então deixe-me apresentar o companheiro de vocês nesta missão”, diz, e depois de um rápido sinal com a mão, um homem elegantemente vestido, de cabelos longos castanhos escuros e olhos azuis bem claros se aproxima.



Ele se curva levemente, e se apresenta, “meu nome é Schebet Sokurov, representante de Siltanat, e os auxiliarei em sua busca. Prazer em conhece-los.”

Vendo os olhares de indagação de William e Januar, Lorde James inicia sua explicação. “Ele irá acompanha-los nesta expedição até a chamada Colina do Terror, local onde está o rei hobgoblin. Como a mesma se localiza em parte do território de Siltanat, achei por bem informa-los de nossa busca. Com muita boa vontade eles concordaram, e enviaram o senhor Schebet para auxiliar-nos.”

Schebet acena com a cabeça. “E assim farei. Estou a disposição para tirar qualquer duvidas,” diz o siltanatense, olhando interessado para William e Januar.

Sorriu na direção de Januar e fez um aceno positivo com a cabeça, imediatamente pensando na missão que teriam pela frente.

Durindana. Já lera a respeito dela em alguns tomos antigos da Ordem do Punho do Valor dedicados ao Santo Ardtan. Era deveras pernicioso descobrir que um bem tão poderoso e santificado se encontrava nas mãos de um ser vil como o rei Hobgoblin. Esse foi um dos motivos que o fizeram concordar praticamente de imediato em partir naquela missão.

Ficou em silêncio no instante em que seu irmão disse que teriam um companheiro naquela missão. Ergueu as sobrancelhas e dirigiu o olhar para o homem que ele convidara, o qual logo se aproximara da mesa deles.

Estreitou o olhar e aguardou o término da apresentação enquanto pensava em Siltanat, a terra dos magos. Respirou profundamente e estendeu finalmente a mão para apertar a dele, cumprimentando-o.

– E eu sou William de Bacheur... – após soltar-lhe a mão, completou – Esta é Januar Whitley. Será um prazer ter alguém com seus conhecimentos nessa empreitada, Sr. Schebet!

Logo em seguida sentou-se, encarando o irmão e o representante daquele reino arcano. Respirou profundamente mais uma vez, tentando manter-se calmo. Afinal, nunca gostara do poder arcano, responsável por tirar de sua irmã, Lady Alice de Bacheur York o marido.

– O que poderia nos dizer sobre o local em que este rei Hobgoblin se encontra? O que encontraremos por lá em termos de terreno e inimigos? – perguntou encarando-o.

Após cumprimentar William e Januar, Schebet se senta a mesa. Ele o faz de maneira polida e comedida, sempre mantendo o olhar seguro e firme. “Pelo que me foi informado, esta Colina do Terror, onde este rei hobgoblin se encontra, fica em local inexplorado. Siltanat é um reino jovem, apesar da longa historia do meu povo, e grande parte do territorio permanece ainda como se encontrava anteriormente...”

Lorde James ergue uma sobrancelha. “O território anteriormente pertencia a Galia, a bem da verdade,” esclarece.

O senhor Schebet acena com a cabeça, tranquilo. “Sim, mas convenhamos que o sul de Galia era território não colonizado. De qualquer maneira, não há mapas, o que pode atrapalhar nossa missão. Sabemos que se trata de terreno montanhoso, infestado de inimigos.”

Januar lança um olhar preocupado para William. “E iremos só nós três para lá? Como iremos enfrentar um exército inteiro de hobgoblins? Nem com toda a benção de Mitz conseguiremos!”, exclama a cleriga.

Lorde James balança a cabeça, negando. “Nem é esta a intenção. Voces serão batedores, em missão de reconhecimento. Nossas informações sobre este rei são poucas, e o que vocês conseguirem será de grande valia. Como o forte de Kumbalgar não os anda incomodando, é possível que os hobgolblins estejam desleixados, e neste caso, com uma boa dose de sorte, vocês consigam obter Durindana sem confronto.”

Um sorrisinho irônico surgiu no canto de seus lábios no exato instante em que ele citou o fato de que Siltanat era um reino jovem e se encontrava da mesma forma de antes da formação do reino... ou seja, permanece como Gália deixou.

Fechou os olhos por um instante tentando relembrar sobre a região conhecida como Colina do Terror. Embora nenhuma lembrança viesse a sua mente, permaneceu daquela forma enquanto o Sr. Schebet falava sobre a área ficar num terreno montanhoso e cheio de inimigos. Abriu os olhos apenas quando Januar falou.

Encarou o irmão enquanto ouvia as palavras seguintes dele. Entendia perfeitamente qual a missão. A dúvida é se ele conseguiria se manter furtivo durante os eventos que se seguiriam.

– Ideal é partirmos esta noite, então. Se precisamos nos infiltrar, o melhor momento é ficarmos cobertos pela escuridão... – disse encarando-os.

– Precisamos enviar as informações imediatamente assim que as conseguirmos. Vocês tem alguma maneira para conseguirmos isso? – disse encarando do irmão para o Sr. Schebet – Afinal, quanto mais rápida a informação for enviada, mais eficaz seremos!

– Ideal é partirmos esta noite, então. Se precisamos nos infiltrar, o melhor momento é ficarmos cobertos pela escuridão... – disse encarando-os.

Januar olha confiante para William, toca em sua mão e acena com a cabeça. Schebet também estava de acordo.

– Precisamos enviar as informações imediatamente assim que as conseguirmos. Vocês tem alguma maneira para conseguirmos isso? – disse encarando do irmão para o Sr. Schebet – Afinal, quanto mais rápida a informação for enviada, mais eficaz seremos!

O homem de Siltanat devolve o olhar para Williams, e responde, “sim... disponho de um item que pode transmitir as informações que obtivermos para o Forte. Porém é de uso único.... Será o suficiente.”

Lorde James então se levanta e cumprimenta a todos. “Muito bem. Fico satisfeito em ter reunido tão brava equipe para esta missão tão importante. Tenho certeza que serão bem sucedidos,” diz, lançando um olhar orgulhoso para William. “Façam os preparativos necessários para a jornada então. Eu os espero a meia-noite na saída do forte.”

**

Após terminados os preparativos necessários, Januar pede para que William a acompanhe ate o ferreiro que estava responsável em consertar sua armadura. Naquela hora da noite não havia mais movimento no forte, cada morador tendo retornado as suas casas e os guardas de folga agora estavam descansando nos alojamentos. A noite estava clara, o ceu limpo cheio de estrelas e a lua cheia.

A cleriga de MItz ainda vestia seu belo vestido verde, e a pálida luz do luar deixava seus cabelos loiros ainda mais claros, cabelos longos que se espalhavam como cascatas pelos ombros descobertos.



“A noite hoje esta linda, não acha, William? Pena que em breve tenhamos que partir... Adoraria ficar observando as estrelas até o sol raiar...”, diz, e então se vira para o cavaleiro e pergunta, “já fez isto alguma vez na vida?”

Eles ao menos pareciam ter entendido seus motivos para querer que partissem ainda a noite. Suspirou aliviado ao ver que o homem de Siltanat possuía uma maneira de enviar as informações de imediato assim que tivessem conseguido levantá-las. Isso seria imprescindível para a missão.

– Estaremos prontos, James...

Depois de deixar a mesa, partiu em busca de deixar tudo preparado para partirem. A primeira coisa foi ver se seus cavalos estavam de fato sendo bem tratados. Após ele e Januar confirmarem que estava tudo bem com os animais e deixarem avisado que saíram de madrugada com eles, os dois partiram para o ferreiro.

Os olhos de William, volta e meia, perpassavam pelo rosto e pelo corpo da companheira de viagem. Ela estava realmente linda, ainda mais naquela noite em que seus cabelos caíam em cascatas sobre seus ombros desnudos.

Respirou fundo e tentou focar sua mente na missão, na ida até o ferreiro em busca do conserto da armadura dela. Algum tempo depois, entretanto, após ambos passarem serviço para o ferreiro, puderam finalmente admirar a noite na cidade.

Seus olhos seguiram em direção aos céus, assim como os dela também estavam. Pego de surpresa, disse, gaguejando levemente:

– O que, ficar vendo o céu até o sol raiar? – perguntou e logo em seguida, ele próprio respondeu – Nunca fiz. E acho que só daria certo se fosse em companhias certas... – encarou-a profundamente em seus olhos verdes e completou – E você?

– O que, ficar vendo o céu até o sol raiar? – perguntou e logo em seguida, ele próprio respondeu – Nunca fiz. E acho que só daria certo se fosse em companhias certas... – encarou-a profundamente em seus olhos verdes e completou – E você?

As palavras de William pegam de surpresa Januar, que leva a mão na boca para esconder um risinho. A loira volta seu olhar para cima, na direção das muradas, como se procurasse por algo. Então subitamente ela pega na mão do cavaleiro e convida, “vem comigo...”

Januar o puxa, saindo do caminho que levava ate o armeiro e indo na direção de uma das torres. Ao ver as roupas da Ordem o soldado se afasta do caminho e deixa a dupla subir pelas escadas ate a amurada, passando pelos guardas de vigia, ate alcançar uma outra torre, esta mais alta. Havia uma porta de madeira reforçada bloqueando seu acesso, mas com um sorriso maroto Januar deu um tranco com o ombro para abrir.

Depois de aberta a porta, viram que se tratava de um depósito onde os mantimentos do Forte  de Kumbalgar estavam guardados. Os olhos do cavaleiro se prenderam nas armas, provavelmente deixadas ali para uma eventual defesa do forte: eram arcos longos, espadas e flechas. Impacientemente Januar o puxou, liderando o caminho por uma escada espiral, que levava finalmente ao nível mais alto da torre, que era composta quase totalmente de janelas. No centro havia um enorme aparato de metal, o qual William não fazia a menor ideia do que poderia ser, mas isto não importava, comparada a vista que tinham da região ao redor. Do lugar em que estavam era possível ver a milhas de distancia dali; o paladino viu que o rio Shrill que margeava o Forte vinha das montanhas do norte e desembocava numa grande floresta; e que a sul era possível ver as numerosas luzes das cidades do reino magico de Siltanat. Esta visão das terras animou o espírito aventureiro de William, mostrando que o mundo era ainda maior do que imaginara, e que havia uma vida de emoções e glória a sua frente.

Januar também estava impressionada com aquela vista. “Eu já tinha lido a respeito do observatório que existia no Forte de Kumbalgar, mas estar aqui e ver tudo isto, é fantástico!”, diz, sentindo-se surpresa com as próprias lagrimas que insistiam em brotar de seus olhos.

Ficou sem entender nada e levemente desconcertado no instante em que ela agarrou sua mão e o puxou junto com ela. Não fazia a menor idéia de onde estavam indo, não fazia a mínima noção do por que seguiam naquela direção, sabia apenas que era isso que ela queria e, portanto, faria tudo ao seu alcance para lhe prover naquele momento.

Deixando soldados e transeuntes para trás, eles iam cada vez mais fundo nas torres da cidadela. Embora por um momento tenha parado para admirar as armas do forte, especialmente as espadas produzidas, algumas delas claramente de um nível superior, ele acabou seguindo-a pela escada espiral até finalmente chegarem no lugar que ela aparentemente queria estar.

A visão era realmente magnifica. Montanhas, rios, floresta e, claro, as primeiras luzes do reino de Siltanat. Então era para aquela direção que eles seguiriam. O mundo realmente era imenso. Seus olhos chegaram a brilhar ao pensar nas aventuras que viveriam.

Ouviu as palavras de Januar e virou-se para encará-la. Quando percebeu as lágrimas em seus olhos, aproximou-se dela e ergueu a mão, tocando seu rosto, enxugando as lágrimas em seus olhos.

– Realmente... é uma linda vista! – disse encarando-a em seus olhos verdes.