A casa de Ezra, entretanto, diferenciava-se negativamente, sendo alvo de constante reclamação da vizinhança. “Antes mesmo do velho morrer já não era essas coisas... devia ser um desses excêntricos obcecados por alguma coisa”, alfinetavam duas senhoras uma vez. “Agora então é que não tem cuidado nenhum...”.
De fácil acesso à saída noroeste de Santa Dômina – a ponte sobre o lago das Cobras –, era muito distinta, e distante, do fervo central. O porto novo era ainda mais longe, considerando não ser possível deslocar-se numa linha reta e que, mesmo cedo, o engarrafamento matutino daria as caras, botando expressões fechadas a todas as pessoas ao redor – era preciso rezar que alguma imprudência ou irritação não terminasse em acidente ou briga.
O carro com o herdeiro de Levi cortou boa parte da zona Norte, cruzando o rio de Abril por uma das várias partes que davam acesso à zona seguinte, a Leste. O deslocamento tomara bem mais tempo que o normal, várias ruas ainda com danos da noite anterior.
Um ônibus passara por uma enorme poça de lama, dando um banho em um grupo de pedestres e jogando sujeira no veículo de Ezra.
A vista da região central era de outro mundo, prédios que pareciam estranhas obras dum mundo mágico e futurístico. Era um cartão postal pelo qual a circulação de dinheiro não poderia ser contada pela capacidade de processamento de uma mente humana.
Levara bastante tempo para alcançar a última – e pior – parte do trajeto. O terminal ficava na zona Sul, área mais empobrecida e cheia de feias fábricas. O asfalto pouco conservado era um suplício ao veículo, que sacudia a cada buraco.
Ao final, era necessário escolher um rumo: tentar contornar o morro da Madalena, aumentando um pouco o tempo de viagem – e o estresse – ... ou atravessar por dentro da perigosa favela, uma com os maiores índices de criminalidade do município.