por Lnrd Qui Abr 25, 2019 1:55 pm
A história da antiga Ordem de Hermes, assim como do patrono dela, o famoso Três-Vezes-Grande Hermes, era algo de conhecimento geral, domínio público: e de tal maneira, era um apanhado de clichês e absurdos, com o pouco de válido soterrado sob pilhas de besteiras e equívocos – inclusive coisas que deveriam ser creditadas a outras organizações sendo creditadas àquele nome e vice-versa.
Teorias conspiratórias ou versões de entusiastas eram as mais variadas, com maiores ou menores graus de aproximação da realidade. Não era incomum mesmo algum livro detetivesco, filme de mistério ou coisa do tipo fazer menção a tal sociedade “secreta”. “Uma cortina orquestrada pelos próprios membros”, poderia ser sugerido, um plano de ocultação que, ao invés de negar, prefere embaralhar os dados.
Era pois um verdadeiro mito, não necessariamente no senso de uma “mentira”, mas no de algo que paira sobre o imaginário de muita gente, mas que apresenta-se de forma diferente para cada qual. Basicamente, ninguém saberia distinguir o factual do meramente ficcional e sem sentido. Mesmo pessoas especializadas e estudiosas do assunto não tinham um acordo sobre a natureza da questão, uma palavra final, cada lado clamando a própria interpretação como a definitiva.
De toda a maneira, Kadir volta a sorrir quando aquele rapaz confirma não ser um ignorante sobre o assunto, citando nomes e passagens, inclusive dispondo-se a ajuda-lo, caso fosse esse o ponto.
- Ah, não, não. Faz uma oferta generosa, mas não estou aqui para conseguir de você informações sobre a Ordem. Tenho, digamos, minhas próprias fontes... e creio que meu acesso seja um tanto quanto “privilegiado”, “exclusivo”... talvez você se interessasse em ter o mesmo acesso. Garanto que não o encontrará facilmente por aí... – era estranho, mas os olhos do 37 pareciam mais luminosos e vivazes, quase como se brilhassem com uma luz própria.
Naquele momento curioso, uma lembrança solta, daquelas que racionalmente descarta-se como inútil, mas que a intuição insiste em manter por perto, retorna à mente de Ezra.
Quando mais novo, deparara-se com um livro entre as coisas do avô. A capa chamara a atenção por indicações estranhas, símbolos que ele reconhecera como pertencendo justamente àquele círculo místico-filosófico. O que marcara não fora o tomo em si, mas a reação de Levi: ele parecera estranhamente irritado, incomodado ao pegar o neto próximo daquele volume, algo pouco condizente com a personalidade dele – tanto quanto a contradição daquele revolver que encontrara no cofre.
- Este não – interditara, sem maiores explicações.
No fim daquele mesmo dia, Ezra teve a impressão de sentir um odor diferente na fumaça que vinha da lareira do escritório. De fato, nunca mais vira aquele livro... .
Teria sido um truque do subconsciente sugerir relação entre aquelas coisas, as de antes e as de agora? De fato, era difícil admitir que aquele homem tivesse deliberadamente destruído tal volume, sendo melhor jogar tal questão para o esquecimento. Era o tipo de pecado que o filho recusa a admitir no pai.
- Como eu dizia – voltara o “37” a falar, na postura sedutora de alguém que vende uma ideia – todo esse estratagema é para fazer a você uma oferta que antes foi feita ao seu avô, mas que ele teve de recusar por conta das próprias responsabilidades... .
"Notas sobre a Casa Tremere da Ordem de Hermes", lembrara-se, de súbito, do título daquele livro. Por algum motivo, não tinha até então se dado conta daquilo, nunca tendo procurado novamente por tal referência. Era estranho que esse detalhe só tivesse voltado à tona naquela situação insólita.