Axel Blake

Em sua vida m ortal, Blake tinha experimentado todo o sofrimento do povo negro de Nova Orleans, e isso ainda afetava profundamente seu proceder como um Membro.

Independente da cor da pele dos funcionários da capela, Axel sempre tratava todos com respeito e cortesia, demonstrando que valorizava o trabalho que eles desempenhavam para a Casa Tremere. Ele próprio não passava tanto tempo assim na capela, já que suas atividades em prol do clã o levavam a operações de campo muito frequentemente, mas procurava manter-se atualizado com os nomes e funções de cada acólito atuando nas dependências da base dos Feiticeiros.

Ele não se surpreendeu com a expressão azeda da moça ao mencionar o nome de Fox. O puxa-saco do regente era uma pessoa difícil de apreciar, tanto para Membros quanto para os associados mortais. Blake soltou uma imprecação mental ao constatar que teria que falar com Valentine e Fox juntos na presença de Liz.

Longos cinco minutos se passaram, e entre um comentário amistoso com os acólitos e uma espiada vigilante na direção da setita, Axel começou a estranhar a demora na autorização. Estaria ele interrompendo alguma reunião ou ritual? Ou o regente e seu lacaio de estimação apenas discutiam a melhor abordagem? A verdade era que Blake era notória e lamentavelmente alheio às maquinações internas da capela, já que preferia se ocupar dos assuntos mais práticos e mundanos.

Finalmente, a recepcionista desligou o telefone e o autorizou a subir com sua acompanhante. Com um agradecimento gentil e um sorriso de genuíno alívio, Axel afastou-se em direção à poltrona onde Liz aguardava.


- Já recebemos autorização para subir. Venha comigo, por favor.

Blake estendeu a mão para Liz e guiou-a pelas escadarias. Ele evitou o elevador pensando nas luzes fortes da cabine que provavelmente perturbariam bastante a setita, mas também porque ele era ativo e disposto a exercícios, mesmo sendo um morto-vivo. 

Além do mais, isso lhe permitiria sondar o ambiente assim que chegasse ao andar onde Valentine e Fox estavam.

Blake gostava de atividade física, e o fato de estar morto evitava que ficasse sem fôlego, então preferia sempre andar e escalar as escadarias da sede Tremere em vez de ceder Às comodidades modernas do edifício.

Ele mantinha-se sempre atento aos detalhes de cada canto, notando cada mudança mínima desde sua última visita. Ele não permanecia muito tempo ali, preferindo seu papel como agente externo da capela. 

Infortunadamente, o fim de sua pequena jornada nas entranhas do prédio o levou ao escritório do regente, onde não houve nenhuma surpresa ao não encontrar o sire que desejava. Como suspeitava, Fox dificultava seu acesso a Valentine.

Ele postou-se altivamente diante do outro tremere enquanto Fox interrogava Liz, esperando (im)pacientemente o transcorrer do interrogatório.

Em dado momento, Fox lembrou-se de dirigir-se a ele:

- Blake, teve algum problema até este momento?

Axel empertigou-se, com uma face dura como pedra:

- Nada tenho a relatar-lhe, Fox.

Se Valentine lhe perguntasse, talvez Axel estivesse mais propenso a externar suas desconfianças, mas ali, na frente de Liz e com Fox a lhe indagar, ele fechava-se em copas e guardava seus pensamentos para si.

Aquele telefonema era perturbador, não pela falta de educação, mas por uma interrupção num momento tão inoportuno.

Axel não gostavde Fox e não fingia gostar, embora não o antipatizasse gratuitamente. Blake sabia escolher suas batalhas.

- Interrupções as vezes acontecem... enfim... Onde estávamos? Ah sim... nada a relatar mesmo Blake!? - pressionou ele.

A pressão de Fox sobbre Blake era como água batendo em pedra, levaria muito tempo para conseguir qualquer coisa. Axel apenas negou com a cabeça, fazendo o mínimo de movimentos necessários no gesto.

- Senhorita Lisandra, espero que possa desfrutar do melhor que nossa cidade tem a oferecer e para isso, na noite de amanhã Blake vai leva-la à opera. Colocarei a disposição 2 convites para que como seu guia turístico, ele a acompanhe, sem recusas...

"Ópera??? De certo Fox nunca passou nem perto do Mardi Gras, mas porque ele presume que eu goste de cantorias gritadas de gente metida a besta num idioma menos compreensível que sânscrito?"

Mas Axel não demonstrou qualquer emoção. Ele logo se atentou para a denominação jocosa de guia turístico, mas pressentiu que haveria mais naquela ópera do que simplesmente assistir espetáculos de gosto duvidoso. Axel desconfiava de uma armadilha, mas se para ele ou para Liz, não havia como saber ainda.

- Aguarde maiores informações via email... estão dispensados...

Axel demorou apenas um momento para se virar em direção À saída, sem se despedir e apenas esperando que Liz o seguisse.

"O que diabos Fox pensa que está fazendo? E-mail? Guia turístico? Ópera? Uma noite qualquer dessas, vou passar por cima dele e falar diretamente com Valentine... mas hoje não..."

Blake tinha conhecimentos rudimentares de computadores, coisas que nasceram muito depois dele, mas sabia o suficiente para não achar esse tipo de comunicação segura. Com caçadores como a Sociedade de Leopoldo e a Inquisição rastreando Membros por todo o mundo, qualquer interceptação de um e-mail assim poderia não apenas comprometer a posição de Axel na cidade como também derrubar toda a Casa Tremere, talvez toda a Camarilla de Nova Órleans.

Axel saiu do prédio, despedindo-se polidamente dos acólitos, mas sua mente estava ocupada em imaginar o que ele deveria fazer com aquela setita até a noite seguinte...

Axel não se importava com boas maneiras, pois considerava Fox tão indigno de tal esforço que deveria considerar-se sortudo por Blake não ignorar completamente a pretensa autoridade que ele alegava ter, embora Valentine nunca tivesse de fato transmitido-a em público. O dano à imagem da Casa Tremere perante a setita também não o abalava, pois o absurdo das ordens que recebia sem maiores explicações ou informações o fazia parecer um tolo perdido, e Blake considerava que essa rachadura na grande pirâmide poderia muito bem se estender à toda a capela da cidade.

Neste momento, Axel ansiava para cuidar de seus próprios assuntos, mas estava atado àquela tarefa servil de ciceronear a seguidora de Set sem saber exatamente quais eram os planos que a envolviam. Ele receava cometer erros, mas ao mesmo tempo insurgia-se contra qualquer possibilidade de ser culpado já que não havia orientações claras.

Cabia a ele decidir o que fazer agora, até ter a oportunidade de checar seus e-mails para descobrir o que Fox tinha a lhe dizer.

Ouvindo Liz atrás de si, ele virou-se e a encarou, sentindo-se obrigado a dizer algo:

- Quer que eu lhe ajude a se estabelecer na cidade? Podemos arrumar alguns refúgios num território próximo aos domínios Tremere, onde você fique segura e possa começar seus próprios estratagemas.

Axel acalmou-se e concentrou-se em falar com Liz:

- Não se sinta ofendida, minha cara Liz, pois não é a sua companhia que me incomoda. Assuntos internos da Casa Tremere ainda pendentes tendem a me irritar. Mas se há liberdade para eu guiá-la conforme meu próprio juízo, eu gostaria de conduzi-la para as áreas menos nobres, como Black Pearl.

Tomando o cuidado de não ficar parado, andando e guiando a setita, Axel explicou:

- Se não tem nenhum estratagema, então deveria ter. O vácuo de poder na cidade não durará muito tempo. Se quer um lugar na noite da Crescent City, então deve ocupá-lo logo.

Axel tomava o rumo de Black Pearl.

- A população negra e pobre dessa cidade está muito vulnerável. Meus planos para essa comunidade envolvem aumentar minha influência sobre os mortais de destaque para controlar o submundo do crime e do combate a ele.

- Você muda muito rápido o seu tom senhor Blake... não sei se gosta de ser simplesmente desagradável ou se está sendo simplesmente assim porque não pertenço ao seu clã. Já deu para perceber que seu líder gosta de se ausentar e deixar as coisas nas mãos de outros, como aquele ruivo para onde me levou. Não sei dos seus supostos “assuntos internos” mas realmente me mudei para a cidade com o propósito de me estabelecer e viver por aqui depois que a Camarilla de Nova York foi destruída e os que restaram fugiram ou se esconderam... já que todos outros tiveram a sua morte final...

Blake anuiu, sem questionar. Em vez disso, fez uma observação:

- É incomum que um Seguidor de Set busque a afiliação da Camarilla.

Após algum tempo, ele arriscou fazer a pergunta que evitara:

- Você fazia parte do Principado de Nova York ou foi pega no fogo cruzado?

- Não me entenda mal mas, em Nova York eu costumava ser uma historiadora e por isso consegui chegar aqui com certa segurança apesar de ter visto algumas mortes no caminho. Não faço questão de nenhum tipo de luxo e coisas do tipo. Sempre senti vontade de conhecer este lugar e aqui estou, pena que sob tais circunstâncias. Vai ser um prazer conhecer esse lugar que quer me mostrar..

Axel acenou com a cabeça, em compreensão.

- Não diria que essa cidade é segura, mas há muito de interessante para se ver, certamente.

- Historicamente, a população negra sempre sofreu demais nas mãos dos colonizadores e por mais que o tempo passe, a luta contra a marginalidade e o preconceito não parece que terá fim. Controlar o submundo do crime para poder destruí-lo não me parece algo muito fácil de se fazer mas talvez os olhos bem atentos de uma mulher podem ter alguma serventia vez ou outra...- sugeriu ela.

-Afinal.. cobras são boas para se manterem sempre a espreita, como muitos dizem...- disse ela com um leve sorriso irônico m seu rosto, como se fizesse chacota de sua própria condição e existência.

Axel Blake ponderou:

- Mudanças sociais são uma aspiração humana, mas não é isso que pretendo. A proteção da população mais baixa dessa cidade visa não apenas proteger a comunidade da qual me originei e que constitui minha base de poder, mas também preservar aqueles que ainda guardam os conhecimentos místicos antigos, como o Vodu por exemplo.

Ele deixou a referência no ar, observando as reações dela. 

- Eu simplesmente não tenho planos... e esse é o meu grande plano..

Dessa vez, ele acenou negativamente com a cabeça.

- Não sei se esse é um bom plano, mas não a impedirei de segui-lo. Certamente ainda tem contatos, aliados e recursos ao seu alcance para fazer o que lhe aprouver. Quando estiver pronta para colaborar comigo, aceitarei sua ajuda com prazer.

Ele deixou o assunto assim enquanto mostrava o bairro de Black Pearl a ela, suas principais características e localidades, sem detalhar suas próprias ligações com elas.

Axel ouviu as palavras de Liz, constatando que ela continuava a manter seus segredos. Não era de surpreender.

Quando ela falou sobre o que realmente importava, Axel estava atento.

- Você fala sobre colaboração senhor Blake, mas nem mesmo sei sobre o que preciso estar pronta para quanto mais saber em que preciso colaborar... a menos que esteja ameaçando a minha forma de vida... o que espero que não esteje, ou por acaso está, senhor Blake?.. - atenuou ela com os olhos cerrados parando de andar ao lado dele.

Blake respondeu lentamente:

- Eu não a ameaço, senhora Liz, mas nossa forma de vida pode estar ameaçada, tanto por inimigos naturais quanto nossa própria espécie. Eu também não sei sobre a natureza real do que nos ameaça, e quando os predadores não sabem o que lhes caçam, a união é sua única forma de ação. A reorganização da Camarilla nessa cidade após a morte da Príncipe leva nossa seleta comunidade ao seu estágio mais frágil e vulnerável, e devemos encontrar o melhor caminho para seguirmos. A Casa Tremere não gosta de admitir fraqueza, mas mesmo eu não tenho clareza do que meu Regente pretende fazer, de modo que preciso fazer meus próprios arranjos para garantir a mínima sobrevivência. Como sei tanto quanto você os planos dele para a sua pessoa, ofereço-lhe a oportunidade de planejar conjuntamente comigo uma base de poder que nos seja mutuamente benéfica. O que pensa disso?

A resposta dela seria crucial para as próximas ações de Blake.

- Eu acabei de chegar na cidade e ainda não conheço muito daqui, mas estou disposta a conhecer como também disposta a conhecê-lo mais Sr. Blake. Planejar juntos uma base de poder que possa nos ser mutuamente benéfica é algo que me agrada muito e estou disposta a aceitar...

Axel assentiu ao que Liz disse e falou:

- É justo que queira me conhecer melhor antes de avançarmos nestes planos. Eu a levarei à ópera conforme nossos convites, e então poderá me observar melhor.

Ele suspirou, embora não precisasse respirar havia décadas.

- Também não vou limitá-la a agir apenas aliada a mim. Você tem autonomia para montar seus próprios esquemas, e também para apresentar-se por si só perante o Príncipe, o que deve ser bom para parecer uma agente independente e não uma aliada formal da Casa Tremere.

Blake já se decidira em seu curso pessoal de ação, e deixaria Liz como uma possibilidade potencial.

- Já tem onde passar a noite ou quer se alojar em um dos meus refúgios de novo?

- Ir a ópera parece bom... faz muito temo que não vou a uma... acho que seus superiores devem ter me investigado, afinal não é qualquer um que gosta de ópera, mas obrigada por me acompanhar...-

Blake deu um sorriso irônico:

- Tem razão, eu não gosto de ópera. Mas sei como me portar e tentarei ser uma companhia pelo menos agradável.

- Como você deve saber, não tive tempo de ver nada por mim mesma sobre onde passarei a noite, pois fomos apenas até o seu superior e cá estamos então ainda estou sobre seus cuidados...- e deu um leve sorriso.

- Onde achar que ficarei confortável está bom...

Axel assentiu:

- Então terei a honra de tê-la como hóspede mais uma vez. O porão do hotel foi satisfatório, eu creio, então podemos repetir a escolha.

Blake conduziria Liz até o hotel e a alojaria no mesmo lugar que na noite anterior.

Após dar bom dia para ela e antes de ele próprio se recolher, ele faria ligações para todos os seus contatos, sondando qual deles teria informações sobre os policiais e funcionários públicos que atuavam em Black Pearl. O plano de Blake era investigar cada um deles, encontrando formas de dobrá-los ao seu comando, fosse por influência ou por ameaça direta pura e simples. Ainda não aprendera tão profundamente a disciplina da Dominação a ponto de poder escravizar-lhes a vontade, mas era bem experimentado nos bons e velhos métodos das ligas criminosas locais.

- Se você não gosta de ir a ópera, o que gosta de fazer? Pois podemos fazer uma troca... você faz o esforço de ir lá comigo e depois eu vou com você e faço o que gostar, assim é mais justo... que tal!?

- Sou um homem de gostos simples, nada extraordinário. Estar entre o povo comum me apraz, conhecer suas tradições, costumes, hábitos, relações... Sou uma pessoa do povo.

- A hospedagem foi confortável sim. Obrigada. Podemos repetir sim a escolha, mas quem sabe dessa vez eu possa ter um pouco mais de companhia...- De alguma forma, por mais que a mulher estivesse em um novo lugar e não corresse riscos, ela insistia que não queria ficar sozinha, nem nesses momentos... o que ele faria então!?

- Esta noite terei de decepcionar-lhe, pois há outros assuntos que demandam minha atenção. Mas poderemos voltar a isso outra noite.

Axel deixou Liz na câmara segura do hotel para passar a noite, e depois começou a tentar contato com seus informantes. Sua intenção era se inteirar das identidades dos policiais que comandavam a segurança em Black Pearl.

Descobriu que o chefe de polícia local era um certo Arnold. Agora ele precisaria pesquisar mais sobre a vida de Arnold, sua família, suas relações, sua situação financeira, sua trajetória profissional, dentre outros detalhes que poderiam lhe dar vantagem ao lidar com o policial. Em seu jogo para ganhar influência, Blake cogitava fazer uma chantagem direta, uma ameaça velada ou até mesmo uma oferta honesta de cooperação, a depender do perfil que conseguisse traçar de Arnold.