Fantasmas

Antonio e Jack caminham juntos pela floresta umbral, seguindo o Corvo. A trilha que o Corvo toma através da Penumbra é escura, mas espíritos observam a passagem dos dois pela trilha. Jack sente os olhos dos espíritos sobre si, como se lhe julgassem. O grupo caminha por alguns minutos até alcançar a base da montanha. Além da linha formada pela copa das árvores e dos arbustos da mata rasteira, uma gruta coberta de musgo e limo se anuncia a frente, com sua entrada semi-escondida por um arbusto de espinhos. O Corvo pousa sobre ela e grasna.

Antonio assume sua forma hominídea, mas pede que Jack permaneça como Lobo. Ele se senta em posição de lótus e fecha os olhos em meditação, entoando cânticos ancestrais enquanto invoca seu Lobo Interior. O Impuro toca a cabeça do Ahroun, e lhe diz que entre na caverna.

Jack assente e adentra a caverna em sua forma de Lobo. Ele sente seu estômago se revirar conforme anda pelo salão escuro. Os cheiros estão confusos ali, mas ele sente o cheiro da água da chuva que escorre pelas paredes, da terra úmida, da rocha antiga. E sente cheiro de fogo. Ele caminha por alguns minutos, e então faz uma curva a direita, alcançando um compartimento mais amplo na caverna.

Nesse compartimento, há uma grande fogueira no meio, sobre a terra nua, do tamanho de um homem adulto. A luz dela ilumina parcamente e tinge de laranja as paredes cobertas de pinturas rupestres e as grandes estalagmites que preenchem toda a escuridão.

Ao lado da fogueira, ele vê a si mesmo. Parado, de terno e gravata de corte fino, observando o fogo crepitar. O homem forte segura firme uma coleira, e a seus pés há um lobo preto cabisbaixo, e Jack sente que o lobo está doente. Quando lobo gane um pouco mais alto, o homem o chuta, fazendo-o se encolher mais.

Nikolayev concorda com o plano acenando positivamente com a cabeça para sua Alfa. Daria sequência a busca no caminho indicado por ela.

Antes de sair, ele nota a preocupação de Valerie com sua condição aparente. A Senhora das Sombras que naquele momento tinha um problemas bem maior a tratar, o sumiço de alguém de sua confiança.

O Presa de Prata imediatamente muda seu semblante e exibe um leve sorriso em agradecimento a empatia apresentada pela Philodox. Faz aquilo de uma forma que pudesse deixa-la mais tranquila. Então ele a responde:

'- Obrigado por se importar, minha cara anfitriã. É bem embaraçoso o que vou lhe dizer mas... acho que ainda estou me adaptando ao fuso horário brasileiro. Não sei ao certo há quanto tempo estou acordado. Desde que sai de Portugal não tirei um único momento para repousar.'

Jack enfrentava a si mesmo. Seu lado homem domesticava e oprimia seu lado lobo, mantendo-o manso na coleira. Sentiu a pressão atrás das orelhas e o amortecimento do topo da cabeça que sempre sente quando a Fúria arreganha os dentes e revira suas entranhas. Mas o sentimento era um misto de raiva e culpa. Por mais que o ato de agressão do Homem ao Lobo fosse revoltante, Jack era capaz de compreender que aquilo era uma representação espiritual de si mesmo. Uma representação dolorosamente realista de como seu lado humano oprime seu lobo interior. Ele consegue sentir a Fúria dentro do Lobo, mas ela estava enjaulada, enfeitiçada. Limitada pela fraca espiritualidade. Mutilada pelo contato frágil com o mundo por trás do mundo.

O Homem humilhava o Lobo. O agredia, o castrava. A indignação pela humilhação se uniu à frustração de constatar a dura realidade, e a Fúria uivou no coração do Ahroun, sobrepujando a Vontade e tomando as rédeas. O grande lobo preto ficou sobre as duas patas e seu uivo fez tremer as paredes ancestrais da caverna quando o poderoso Crinos tomou lugar e arreganhou os dentes.

Cólera das Sombras lançou suas poderosas garras contra o simulacro de si mesmo, rasgando-lhe em dois, e fazendo-o evaporar na escuridão alaranjada da caverna. O lobo uivou enquanto sua coleira se partiu e caiu. E saltou para cima de Jack, que o recebeu em um abraço. O lobo espectral desapareceu tão logo os poderosos braços do Ahroun o envolveram, aquecendo o coração do Senhor das Sombras.

Jack agora tinha uma melhor compreensão do seu lado espiritual, e emergiu da caverna com um sorriso, encontrando com Antonio na entrada.

Antonio acompanhara com os olhos da mente toda a cena. E a conexão de Jack com seu Lobo Interior havia dado lições importantes ao Theurge. Para compreender ao mundo, precisamos compreender a nós mesmos. Se não fizermos as pazes com nossa natureza selvagem, não há esperança de pacificar a selva do mundo.

Ambos os companheiros de matilha apertam as mãos, cientes das lições aprendidas um através do outro. Jack percebeu em Antonio uma conexão com o mundo dos espíritos que ele precisava e almejava, e Antonio percebeu em Jack a conexão com seus instintos que lhe faltavam em sua jornada de aprimoramento pessoal.

Quando retornaram ao mundo material, ao lado do espelho d'água no hall do Caern do Avô, os companheiros tinham uma noção bem mais profunda de si mesmos, suas limitações e seus propósitos.

'- Lá estão eles, Srt. Valerie.'

Do mezanino, Nikolayev visualizada Jack e Antônio.

Havia sido uma experiência gratificante passar por aqueles momentos com Jack. Definitivamente, pode aprender bastante sobre o ser humano e sobre a espiritualidade. Uma série de lições religiosas vieram a sua mente e pode perceber nuances antes despercebidas.

Ao retornar, sorri para Jack com o seu cumprimento de guerreiro: havia se aproximado mais do amigo de matilha e isso era gratificante.

Caminhei ao lado do Ahroun até nos aproximarmos de Nikolayev e Valerie. Permaneci calado, esperando notícias do restante da matilha.

Do mezanino, Niko apontou e Valerie pôde visualizar Jack e Antônio. Eles rapidamente fizeram contato visual com a Alpha e foram em sua direção. Jack tinha o semblante mais sereno e Antônio parecia ainda mais pensativo que de costume, mas ambos pareciam mais conectados e o que normalmente sempre parecia uma energia de entropia entre os dois agora soava em algo mais sincrônico. Ele se aproxima e diz:

Jack escreveu:- Alfa, estou de volta... às suas ordens.

As palavras dele soaram leves, como se tivesse acabado de acordar, reconciliado consigo mesmo. Antônio, por outro lado, seguia enigmático.

Valerie explicou:

- Precisamos reunir rapidamente a matilha e voltar para a Casa Rosa, mas precisamos ser discretos na nossa saída daqui, para não fazer alarde. Algo aconteceu com Marta e precisamos investigar o que se passa, porém sorrateiramente. Estou com um mau pressentimento. Pedi a Hannibal para procurar Gwen, mas até agora ele não voltou. Vamos lá fora ver se os avistamos - disse Valerie tomando a dianteira para descer o mezanino e sair do Caern. - Venham!

Ao sair do Caern, a matilha percebe o quanto a noite já avançou. Está bem frio, mesmo para aqueles acostumados ao frio estrangeiro. Muitos Parentes e outros Garou já deixaram o Caern e regressam para a cidade. Porém, dois uivos cortam a noite. Uivos de batalha. E a matilha reconhece o uivo de Gwenhwyfar.

A Alpha assume aos poucos sua forma Crinos, uma grande garou corpulenta de pêlos negros em quase todo o corpo, exceto pelo pescoço, que era circundado por pêlos castanho-claros, que deixavam sua forma imponente, porém graciosa. Os olhos castanhos reluziram em fúria, assumindo a cor esmeralda característica.

- Avante! Vamos ver o que está acontecendo - disse com voz gutural. - Cólera-das-Sombras e Sangue-do-Dragão à frente, eu e Dor Serena seguimos ao largo verificando as ameaças em nosso derredor, cobrindo assim um perímetro largo, mas estaremos sempre ao alcance da retaguarda de vocês.

Antonio Xavier acompanha sua matilha, não foi preciso acrescentar mais nenhuma informação à conversa: era preciso agir. Ao chegarem do lado de fora, foram recepcionados por um forte frio, parecia um presságio, uma mensagem climática sobre as dificuldades que surgiriam e não tardou que o frio comunicasse e percorresse a espinha do Portador da Luz ao ouvir o uivo de guerra de sua amiga de matilha, Gwen.

Dor-serena concentrou-se no seu lobo interior, lembrou das lições recebidas a pouco na Umbra com Jack: deveria aceitar quem ele realmente era, equilibrar o espiritual e o material, o humano e o selvagem. Ele pode sentir o seu corpo mudando aos poucos para a sua forma de batalha e seguindo as ordens de Valerie diz:

"- Vamos! Gwen precisa de nós!"

Nikolayev assume sua verdadeira forma de batalha. Agora ele era um temível, exuberante e imponente Crinos coberto por pelos brancos quanto  a neve. Sua constituição física era forte e intimidadora, tinha o semblante e o porte dos verdadeiros heróis da Nação Garou. Depois correu para a direção do uivo acompanhado de Jack.

Hagen sugere para líder o que fazer e a ação inciail é adotada, com o aval da alfa, ele começa a correr em direção ao uivo e cada passo ia modificando a sua forma, ficando visivelmente mais forte em glabro, mas não tão diferente assim e logo se transformando em uma fera imensa, com pêlos negros que se confundiam com a noite e que exalavam sua enorme raça-pura, sua herança direta dos balcãs.

Jack corria ao lado de Nikolayev, procurando percorrer o caminho.

O uivo de Gwenhwyfar não foi ouvido apenas pela aliança de Luna. Por todo o Caern, Garou olhavam por cima dos ombros e se aproximavam das janelas. Uivavam seus próprios gritos de batalha, e assumiam as suas formas guerreiras, correndo em direção à neve.

Ao lado da Matilha, pelo menos uma dúzia de outros Garou corriam pelas trilhas da floresta, atendendo o chamado para a batalha. Vários outros se juntaram ao longo da caminho. Os uivos se propagavam na noite. Saltavam dos balcões do casarão como homens e tocavam o solo como bestas, correndo em disparada.

O Caern havia sido agredido. E a Nação Garou retaliaria. A noite avança. A Glória chama. A Fúria uiva.