Capítulo 10

Livrou uma das mãos, enquanto uma segurava o machado, a outra ia de palma estendida contra as paredes do corredor da caverna. Sentia o calor ou ausência dele, o quão a rocha era sólida ou arenosa, se houvesse resquícios de água. Não era bom em rastrear coisas, jamais teria pensado em deixar marcações no caminho, mas sentia com mais facilidade, era mais instintivo com as coisas e havendo qualquer alteração brusca em qualquer uma daquelas paredes, saberia ou teria alguma indicação. Concentrava-se para isso, ao mesmo tempo em que ouvia as informações que eram passadas - tanto pelos dois cavaleiros, como por Ka. O história de Solaire era um conto de criação, não muito diferente de alguns outros que havia já escutado em outras oportunidades - a história é um embate e completamente interpretativo. Geralmente, sol e escuridação. Mas já ouvira a mesma coisa com emoções, matéria e não matéria, até mesmo com um gigante morto, onde cada pedaço de seu corpo formava a humanidade. No fim das contas, as pessoas acreditavam no que fosse mais interessante à elas.

- ...!

Foi pego de surpresa pela gargalhada de Solaire, ao fim da história. Suspirou e novamente, deixou que o momento lhe trouxesse um pequeno sorriso. Ouvindo então a informação de Ka, já fazia conforme direcionado, então apenas assentiu com a cabeça e indicando para a palma da mão, estendida no muro da parede, enquanto caminhavam. A velocidade na qual passavam o ajudou a prestar ainda mais atenção nesses pontos.

Solaire falava, falava e não percebia que seus companheiros não lhe davam atenção, cavaleiro estranho e excêntrico, poderiam os heróis questionar se ele era um bom lutador. Oscar continuava na linha de frente, portando uma tocha em uma de suas mãos, impaciente, fala consigo mesmo – Será que falta muito para sairmos desse labirinto? –, observava Chris Ka fazendo as demarcações.


Khatar passeava com suas mãos pelas paredes seguindo a sua intuição, acreditava que havia algum mecanismo para alterar posição do túnel, tornando num labirinto sem saída. Seus dedos sentiam uma uniformidade até que a textura mudara, seus olhos poderiam não perceber, mas aquela parede era diferente, não parecia ser do mesmo material.

– Encontrou alguma coisa? – Oscar pergunta.

Khatar estaria concentrado demais para notar que havia sido perguntado, tateando toda a parede, sem querer apertara um botão secreto, um barulho de engrenagens rodando ressoa, uma fumaça de areia sai pelas frestas e, então, a parede se abre como um portão velho, fazendo um grande rangido.
Seus companheiros parabenizam Khatar, acharam uma saída, sem demora seguiram por ela, pouco depois daquela passagem, o caminho secreto orientava para as entranhas da caverna, um trajeto de descida, quase como um abismo, pois não era possível ver o fundo dela, havia uma longa escada em formato de espiral que levava, a princípio, até o final dela, “será que o príncipe estaria lá?” vocês pensariam.


Haviam fogueiras espalhadas iluminando a escada, um indício de haver outras pessoas presentes; morcegos voavam aleatoriamente pela caverna fazendo barulho.

De repente silêncio...


[...]


Os morcegos voam juntos para o mais alto e longe rapidamente...

Vocês não entendiam o que acontecia.


Então, um gutural monstruoso ecoa do fundo da escuridão até onde vocês estavam, o som era tão poderoso que conseguiu apagar todas as fogueiras e tochas...

Sentiu-se satisfeito ao ter encontrado uma passagem - achou estranhou, pois não fazia tanto sentido um esconderijo assim. Pensou nas possibilidades pelas quais o príncipe fora sequestrado e o local não era dos mais salubres, não teriam qualquer tipo de recompensa se ele morresse - ou o objetivo, afinal, não era a recompensa. Observou as escadas e o caminho a seguir, assim como as tochas - durou pouco, o som ensurdecedor teve um impacto em todo o ambiente e apagou as tochas que iluminavam o caminho. Pensou em Ka. Se conseguisse usar seus poderes ali, não teriam tanto problema com a iluminação, mas não sabia exatamente quais eram os limites de suas habilidades.

Apertou o cabo do machado com força e iniciou a descida com seus companheiros. Aquele som. Um urro de mil animais, era o que conseguia pensar. Ele lembra dos gritos de alguns animais e se lembra da descrição de outros, os mestres das penas diziam que nos mares mais distantes as baleias faziam sons que perturbavam os ouvidos dos surdos, mas o que ele sentiu e ouviu ali, não fazia jus a descrição. Era algo diferente. E claro, não imaginaria uma baleia dentro de uma montanha.

- O único caminho é a descida.

Talvez desafiar a criatura não fosse a melhor das saídas. Talvez, para ele, não esitvesse escondido - poderia ter sua presença a nossa frente, mas nós é que tínhamos olhos fracos demais para compreender onde estava. Estava feito. Como resposta à pergunta de quem éramos, Oscar respondeu imediatamente - uma ameaça. Poderia tentar quebrar a unidade do grupo e responder quem era - bastaria? Poderia responder por todos eles? Pelos três homens que mal conhecia? A voz que ecoava no salão de pedra trazia um arrepio em sua nuca - não era apenas um animal, era um ser consciente. Teriam encontrado um deus? Ou um ser primordial? Quais as chances que teriam contra uma forma assim? Tentaria o que fosse, não estava pronto para morrer - não tinha dúvidas ou medo, mas não estava pronto. Tomou ar em seus pulmões, o pouco possível do local de ar rarefeito e soltou as palavras de maneira firme - não tentou equiparar sua voz com a voz da criatura, mas fez com que fossem mais altas e firmes que as palavras de Oscar.

- Sou Khatar de Monte Ferro. Procuramos o príncipe de Midland!

Engoliu os medos e sua promessa de não mais pronunciar o nome de sua terra. Saiu quase que sem querer, mas saiu. Não era todo dia que algo assim acontecia e não tinha certeza do que estava fazendo, mas se fosse morrer ou se algo fosse acontecer ali, aconteceria com a lembrança de sua casa ainda fresca em sua mente.

Os nervos ficam a flor da pele de todos os soldados da expedição, Solaire retido apesar de tudo, Oscar incrédulo com a situação, Chris Ka aborrecido e Khatar ousou dialogar com aquilo que falava com eles na escuridão, logo depois a caverna ecoa um murmuro – Hmmmmm... – o chão treme um pouco.


– KHA... TAR... Hmmm... MONTE... FERRO... Hm... Soa-meee familiaaaar... – murmura novamente, sua voz fazia as espadas vibrarem, os tímpanos perdiam noção de referência. A visibilidade era risível, o ar era rarefeito e a audição prejudicada, haveria como piorar mais a situação? Certamente pensariam. A voz retoma a fala – Monte Ferro, issoooo! Eu conheçoooo esseeee lugaaar!!!!
Estrondos em locais diferentes são feitos, como se fossem passos pesados, a questão seria: ou seriam passos de mais de um ou era algo tão grande que cada passo era capaz de estender-se a partes diferentes daquela caverna.

– Oraaa... vejo que sããão quatro!!! A muitooo tempooo nããão receeeebo uma visiiiita!!! – Havia um ar de curiosidade em sua fala, apesar de não ser possível vê-lo, havia uma sensação de que estava interessado em Khatar, pelo menos no lugar de onde veio.


Som de enormes gotas pingando, seria ele salivando?

- Sim, Monte Ferro.

Repetiu, usando o mesmo tom altivo. Pensou nas palavras e no peso delas, um monte inteiro de ferro - jus ao que representava em sua mente. Tentou rapidamente desvencilhar dos significados mais profundos do local e focar sua atenção no presente e na criatura primordial que o fazia questionar tudo o que vira até então. Pensou nas últimas palavras e em como aquele ser conhecia Monte Ferro, não havia nenhuma descrição de algo assim nos livros, nunca em toda a sua vida ouvira uma história sobre algo assim, nem mesmo as histórias que sabia com certeza serem inventadas imaginavam esse tipo de situação.

- Saí de lá há anos, a cidade não é mais a mesma, mas ainda existe no coração de seu povo.

Não sabia mais o que pretendia, talvez ganhar algum tempo até descobrir do que se tratava. Ganhar tempo para isso, para seus companheiros, ganhar tempo para viver. Olhou rapidamente para seus companheiros e meneou a cabeça na direção da porta, esperava que pudesse ver. Não queria arriscar palavras que pudessem comprometer a situação dos quatro ainda mais.

- Acho que invadimos sua casa. Peço desculpas. Quem é você? E... E o que sabe de Monte Ferro?

Relaxou um pouco as mãos no machado. Se a criatura pudesse ver ou sentir, veria o medo de Khatar, mas não a falta de vontade em colaborar. Havia uma curiosidade no guerreiro. Ainda maior do que o contato inicial, queria saber saber.

Khatar pergunta a criatura “Acho que invadimos sua casa. Peço desculpas. Quem é você? E... E o que sabe de Monte Ferro?”, sua respiração era profunda e era capaz de criar fortes ventos, silêncio, ela demonstra estar pensando, diz então – KHA... TAR..., ISSO MESMOOO!!!! VOCÊ É O HERDEIROOO DO TRONO!!!!! –, aumenta seu tom de voz, criando um enorme eco, estava intrigado com a presença de um sangue da realeza.


– POR QUÊ NÃOO ESTÁ LÁÁÁ??? E ESSES ATRÁÁÁS DE VOCÊÊÊ, O QUE FAZEM AQUIIII??? SÃO SEUS SERVOOOOOS??? – Khatar estaria numa situação vergonhosa de ter de confessar sua posição social e que falhou como rei, talvez não seja capaz de continuar esse assunto e tente mudar, talvez não queira mais conversar e arrisque num ataque ou apenas numa fuga, talvez tente catar a pouca dignidade que restou e aceitar que não fora um bom rei.


Oscar percebe que Khatar está tentando distrair a criatura, enquanto ganhava tempo, mas não havia muito o que fazer naquela situação, ele conclui que restava atacar ou fugir, provavelmente ambas as possibilidades iriam levar a morte, Solaire apenas observava, também notou que Chris Ka tinha intenções nebulosas naquele momento, não saberia se estava prestes a atacar ou a fugir, com a falta de coordenação na equipe e não sabendo o que fazer, continuava parado esperando que algo acontecesse.


“Será que Griffith estando aqui a situação seria diferente?”, Oscar pensa alto, o suficiente para que somente vocês pudessem ouvir.

As coisas estavam se desenrolando com rapidez, depois de todo o tempo em que estavam perdidos nos túneis - encontrar essa porta e por consequência do encontro, essa criatura, fez com que tudo surgisse em uma velocidade impressionante. Todos os acontecimentos até então serviram para que pudesse acalmar a sua mente e seu coração, colocar tudo em ordem e se o pior fosse acontecer, ele estaria pronto para lidar com esse pior, já estava apto a equilibrar-se em seus pés a cada lufada de voz e vento lançada pela criatura, os arrepios na base de sua nuca haviam passado e a calma seria sua melhor companheira. Esperava que os companheiros tivessem o mesmo controle nesse momento - estaria pronto para lutar, mas preferia ter um ser desse como aliado do que como inimigo. Até pelo menos saber exatamente o que era esse ser.

- Não tenho servos.

Disse rapidamente, as perguntas eram duras e diretas, iam ao ponto crucial de sua jornada para ganhar e restaurar parte de sua honra. Ele conhecia Khatar como herdeiro, não como o destruidor de Monte Ferro. Mas havia deixado o orgulho de lado há muito tempo e aceitado a sua condição - não gostava de falar sobre, mas não lhe trazia nova vergonha ou arrependimentos diferentes dos quais já estava acostumado, não entendia muito bem qual era a relação da criatura com sua terra natal e nem como sabia dessa informação inicial, mas não estava atualizado a respeito dos acontecimentos seguintes. Como sabia disso?

- Não sou mais o herdeiro do reino, já fui. Mas perdemos a cidade. Perdi a cidade, fiz uma aliança com um reino vizinho que trouxe morte ao meu povo.

Fez mais uma pausa, deixando que a critura pudesse digerir as informações e então, entendeu por fim que seria melhor também falar de seus companheiros, notou então somente com a fala dele que estava na frente de todos eles. Não queria que pensasse se quer na condição de servos, já não gostava desse tipo de denominação quando ainda era Rei - tinha braços e pernas boas para fazer tudo o que precisava fazer, servos não eram necessários naquele momento e agora que era um simples andarilho e mercenário, menos ainda.

- Esses que estão junto comigo são meus companheiros, estamos procurando pelo príncipe de Midland, ele foi sequestrado e pretendemos levá-lo de volta ao rei, o mais rápido possível, em verdade. Foi assim que acabamos caindo aqui. Por um acaso, esbarrei em um mecanismo que abriu uma porta para essa escadaria.

Como a critura detinha conhecimento sobre alguns pontos - por mais que fossem de conhecimento comum, achou que seria melhor não citar o nome deles - como sabia de Khatar, poderia saber também deles e como não conhecia o passado de nenhum deles, seria melhor não arriscar - um nome errado bastava para perder o tempo que estava ganhado ou ganhar um ataque inicial como resposta. De qualquer forma, além de tudo o que estava em jogo no momento, sua curiosidade se mantinha viva, como ele sabia de Monte Ferro? E agora, como sabia que Khatar era herdeiro do trono?

- Mas... Quem é você? Como sabe sobre Monte Ferro?

Chris Ka é um hábil estudioso, aprendera muitas coisas nos livros, um grande manejador de fogo também, que se acostumara a iluminar todo lugar escuro, aquela situação era incômoda, seu fogo e seu conhecimento eram impotentes naquele momento. Mesmo estando muito atento e procurando pela criatura, não foi capaz de descobrir sua localização, até parece que ela é a caverna, sua baba pingava aos arredores, seus passos eram espaçosos, sua respiração era um verdadeiro vendaval e a voz ecoava gravemente pelo recinto.


“Oscar, isso não importa. Oscar de Astora está aqui agora e o que fará é tudo o que importa.” Aquelas palavras de Ka colocaram ordem nos pensamentos do cavaleiro de Astora, retomara controle de suas inseguranças que despertavam nessa circunstância, olha para Ka – Tu tens razão! [...] Isso nunca aconteceu comigo, por alguns instantes havia perdido o controle de mim – levanta a mão e cerra o punho com força – Nunca mais acontecerá isso, obrigado, Chris Ka!


Enquanto isso a criatura conversava com Khatar:


“Não sou mais o herdeiro do reino, já fui. Mas perdemos a cidade. Perdi a cidade, fiz uma aliança com um reino vizinho que trouxe morte ao meu povo.”

– HMMMM... MAS QUEEE TRÁGIIIICO!!!! HUMANOOOOOS... SEMPRE ERRANDOOO!!!! – Nesse momento a criatura deixara bem claro que não pertencia “a vocês”, que não era humano, isso vocês sentiam, mas a constatação disso era apavorante, o que mais esse mundo esconde, quantos segredos estão ocultos de meros mortais, quantas histórias e cantigas poderiam ser verdadeiras?


[...]


“Esses que estão juntos comigo são meus companheiros, estamos procurando pelo príncipe de Midland, ele foi sequestrado e pretendemos levá-lo de volta ao rei, o mais rápido possível, em verdade. Foi assim que acabamos caindo aqui. Por um acaso, esbarrei em um mecanismo que abriu uma porta para essa escadaria.”

– EN-TEN-DOOOO!!!! IMAGINOOOO QUE ESTEEEEEJAIS PROCURAAAANDO POR AQUIIIII, MAAAAAS HÁÁÁÁ NINGUÉÉÉÉÉÉÉM NESSAAA CAVEEEERNA!!!!! – “O quê?”, pensara Oscar, certamente todos exclamaram da mesma maneira.


[...]


“Mas... Quem é você? Como sabe sobre Monte Ferro?”

– QUEEEM SOU EEEEU???? – Sua voz faz tudo tremer naquela caverna – EU SOU VIRIBUS!!!!!!!!!! O MAIS FOOOOORTE DOS TITÂNIIIIICOS!!!!!!! EU CONHEEEEÇO TUDO DESDEEE QUE ESSEEEEE MUUUUNDO COMEÇOOOOOUUUUUU!!!!!!!!! – Solaire fala para seus colegas – Ele é um dragão!

– Um dragão? – Disse Oscar, ele sempre fora cético e deixava em descrédito as histórias de Solaire, parecia desapontado por não ter dado ouvidos ao seu companheiro de combate.

– Sim! As histórias eram reais, sempre acreditei nisso! Mas pensava que os titãs tivessem sido instintos na guerra da Titanomaquia!


Viribus ouve a conversa de Solaire e responde – AS HISTÓRIIIAAAAS ESQUEEEECERAAM DE MEUUU PAPEEEL NESSSA GUEEEERRAAAAA!!!!! EUUUU FUI O ÚNICOOOO VIVOOOOO!!!!!!

Um dragão! Sua mente martelava sobre o assunto e por um momento era possível apenas ver a cara de espanto de Khatar. Estava imaginando um gigante, um homem de estatura colossal, como uma estátua que vira certa vez. Não esperava por isso.. Dragões não eram reais. Eram histórias para crianças, lendas para cavaleiros e princesas. Afinal, não era uma relação tão próxima que Viribus tinha com Monte Ferro, ele apenas - e como se fosse apenas - um ser primordial, uma criatura mais velha que o tempo e por tal, era detentor do conhecimento. Por um tempo, ficou sem saber como responder - precisou pensar um pouco, sua curiosidade foi sanada e recebeu uma grande quantidade de informação, a revelação de quem era a casa e por fim, de que não havia ninguém na caverna - isso queria dizer que a suspeita de Ka estava correta, estavam em uma armadilha.

-Viribus, não existe ninguém aqui dentro, então? Fora nossa própria expedição. É isso o que quer dizer? Como... Como você sabe? Existia outro caminho na caverna, viemos por um mais difícil.

Os interesses deles nesse momento pareciam absurdos, estavam na presença de um ser que não poderia ser descrito. Khatar tentou manter o ritmo da conversa, apesar de tudo. Acreditou que teria tempo para discutir qualquer outra questão com Viribus mais adiante - era uma obrigação que as histórias das quais ele falava incluíssem tal criatura, ainda mais considerando um ser ciente e de natureza aparentemente ordeira. Mas pensou se não estaria preso ali naquela caverna, não podiam ver claramente e mesmo quando as tochas estavam acesas, não reparou se havia uma saída que comportasse tamanha criatura - a porta inicial de entrada, com certeza não seria passagem para o dragão.