Hunter Hayes

Quando a garota termina de falar e sorri, Hunter sorri de volta, mas seu olhar revela que está pensativo. Ele desvia os olhos um pouco e mira a paisagem urbana em redor, refletindo. Depois de mais um gole de café, vira-se novamente para Clairy e faz algumas considerações e perguntas:

- O que parece haver de comum entre Maria e as outras vítimas é o fato de serem mulheres artistas. Mas tem diferenças importantes aí. Ninguém tirou nada de Maria: nem as obras dela, nem dinheiro, nem bens. Talvez a motivação dos outros ataques tenha sido dinheiro, mas, no caso dela, tem de ter sido outra coisa.

Ele sorve mais um pequeno gole de café e prossegue.

- Pelo que cê disse, ele se envolve com as vítimas, mas não creio que Maria estivesse tendo um caso. Do jeito que ela estava deprimida, um caso extraconjugal só podia ter dois efeitos: ou ela melhoraria da depressão, ou afundaria mais ainda, por culpa. Eu não notei nada diferente. O corpo dela estava sem sangue, então, será que o tal Romanov é um… cê sabe, né?

Depois de ouvir a resposta, ele diz:

- Se tiver alguma coisa que eu possa fazer pra ajudar nas investigações, eu quero fazer. Não pretendo dar uma de herói, não é isso. Mas não quero ficar de braços cruzados sabendo que outras famílias podem sofrer o que eu e Maria sofremos depois daquela noite maldita.

Ao dizer aquelas palavras, ele encara Clairy com um olhar calmo, mas determinado.

A conversa com Clairy naquela bonita manhã de sábado estava fazendo bem a Hunter, apesar de terem entrado em assunto tão mórbido. Mas isso mudou quando Clairy disse que talvez o "algo" que tiraram de Maria tivesse relação com a sanidade desta…

Maria era saudável e feliz até aquela noite fatídica. A conjectura de Clairy tinha sentido e, por isso mesmo, fez com que Hunter repetisse um processo mental que já o havia atormentado inúmeras vezes, e que ele tinha aprendido a evitar: ficar imaginando que tipos de crueldade física e psicológica poderiam ter feito com Maria para destruí-la daquela forma.

Ele procurou não esboçar qualquer reação que denotasse o efeito daquelas palavras, mas as imagens e ideias que lhe passaram pela mente trouxeram de volta um ódio que havia tempos ele não sentia.

A isso se somou o desagrado que lhe veio quando Clairy recomendou que ele conversasse de novo com Jace. Hunter já não gostava de tratar com Jace por causa de certos comentários que este fazia e que soavam a Hunter como insinuações de que Jace ainda teria algum interesse na garota. Mas, agora que Hunter sabia que Jace não era nem sequer humano, se alimentava de sangue e devia ser da mesma espécie do assassino de Maria… A ideia de falar com ele lhe causava quase repulsa.

Por conta do ódio revivido e do desejo de vingança que veio com este, Hunter não gostou quando Clairy disse para ele não se envolver demais e sentiu também uma certa revolta quando ela comentou que ele estaria em perigo por ser apenas humano. Mas ele era um homem racional e bastante objetivo, então admitia, mesmo a contragosto, que ela estava certa. Não deveria se deixar levar pela emoção.

Quando ela voltou a dizer para ele ir falar com Jace, já como proposta de ação, Hunter não evitou fazer uma expressão de desagrado, mas concordou:

- OK, OK… quem tá na chuva é pra se molhar. Vou marcar com o parasita.

Mas o beijo que ele ganhou no rosto melhorou seu ânimo, assim como o convite para "focar na gente". Depois de uma semana sem se verem, nada podia soar melhor aos seus ouvidos. Ele se levanta, abraça Clairy pela cintura e diz, antes de beijá-la:

- "Que tal", você diz? Ora, é tudo o que eu quero...

Depois daquele convite para "focar na gente", Hunter concordou com Clairy que não haveria maneira melhor de passar o resto do sábado do que fazer umas caminhadas no City Park. Foram para lá no carro dele após o café da manhã. O dia ensolarado, mas não quente demais, era perfeito para usufruir das sombras das árvores naqueles espaços verdes e amplos.

A imagem dos carvalhos cobertos de spanish moss, especialmente aqueles à beira de lagos de água esverdeada, lembrava Hunter dos pântanos de sua infância pobre, o que não era uma boa lembrança. Mas ele não deixava de achar a paisagem do parque bonita, e apreciava caminhar pelos gramados em meio àquelas árvores antigas. Sempre se impressionava com o tamanho e a idade do McDonough Oak, com seus 800 anos de vida, e esse era um local do parque que ele sempre visitava. Havia também muitas esculturas espalhadas pela área, várias delas interessantes e bonitas para o gosto de Hunter - só aquelas puramente geométricas lhe pareciam insossas.

Caminharam por um bom tempo e depois estenderam uma toalha de praia à sombra de uma árvore para namorar por ali. Conversaram e se beijaram muito. Já do meio para o final da tarde, foram comer alguma coisa no Morning Call, cafeteria e restaurante que funciona dentro do City Park.

Enquanto mexia o cappuccino em sua xícara, conversando sobre as atrações do parque, Hunter fez um comentário sobre como achava incrível que um ser vivo pudesse ter muitos séculos ou até milhares de anos de existência. Ficou um segundo em silêncio após esse comentário, pois uma ideia lhe ocorreu: se as lendas sobre vampiros fossem verdadeiras, então haveria criaturas humanoides e inteligentes no mundo que podem viver séculos, ou até milhares de anos? E como pessoas comuns poderiam se defender de coisas assim?

Ele ficou um tempo com expressão pensativa, então começou a falar num tom de voz baixo, para que outras pessoas não ouvissem:

- Hã… Uma pergunta: aqueles iguais ao Jace podem viver como um antigo carvalho, como o McDonough Oak? E tem algum jeito de pessoas como eu se defenderem?

Ele se curva para aproximar um pouco mais o rosto de Clairy e fala num tom ainda mais baixo.

- Usar uma cruz ou uma cabeça de alho adianta pra alguma coisa? Estaca de madeira? Me sinto ridículo perguntando isso, mas… é o mundo em que vivemos!

Quando Clairy disse que só decapitação e/ou esquartejamento poderiam matar alguém como Jace, Hunter não pôde deixar de pensar que, sendo assim, sua katana era a única defesa que ele tinha. "Uma defesa que só deve ser útil se um monstro invadir meu apartamento. Seria complicado ficar andando por aí com uma arma tão grande… no máximo, daria pra esconder dentro do meu sobretudo", pensou. Mas ele esperava nunca ter de usar a arma para se defender, e confiava, por conta das demonstrações de poder que a garota havia feito diante dos seus olhos, que estaria protegido com ela por perto.

Hunter mudou de assunto, e eles conversaram e comeram devagar, com aquela falta de pressa típica dos casais que estão bem sintonizados. Depois, voltaram a fazer caminhadas pelo parque, parando algum tempo diante das esculturas mais interessantes. Quando o sol já alongava a sombra das antigas árvores cobertas de spanish moss, foram para o carro de Hunter. A luz do sol ia sendo substituída pela noite enquanto rumavam para a cobertura, e a paisagem noturna, apesar das luzes da cidade, fez Hunter voltar a refletir sobre os perigos daquele mundo que existe por trás do mundo "normal". Hesitou um pouco em voltar àquele assunto, mas não resistiu a perguntar:

- A senhora Favre e outras pessoas do pântano dizem que tem certas orações que podem afastar o Rogarou. Isso é fato ou folclore? Tem algum tipo de defesa passiva que funcione contra lobos, tipo amuletos, ou só a decapitação funciona no caso deles também? Aliás, aquela história de balas de prata que a gente vê nos filmes tem fundamento ou não?

Hunter fez as perguntas num tom bastante casual, como se estivesse falando do tempo, enquanto manobrava para estacionar em uma de suas vagas de garagem.

Quando Clairy disse que ninguém jamais atacaria o namorado da líder do clã das bruxas, Hunter inadvertidamente se lembrou da trilogia The Godfather (O Poderoso Chefão). À primeira vista, ninguém seria capaz de atirar em Don Corleone, o capo di tutti capi da máfia, ou num de seus filhos, porém nem eles estavam plenamente a salvo.

Mas Hunter nada disse sobre esse pensamento fugidio, que ele rapidamente tratou de afastar da cabeça. Refletiu que talvez estivesse sendo pessimista demais e que aquele outro mundo não podia ser de todo ruim, na verdade, já que Clairy fazia parte dele. Comentou sorrindo casualmente:

- Sabe, se você foi eleita pra esse cargo, então me parece que as Bruxas devem ser o lado bom desse mundo aí. Não poriam uma pessoa maravilhosa como você na liderança se tivessem más intenções.

Ele terminou de estacionar enquanto ela mexia no celular. Depois, disse que precisava passar na portaria para receber uma encomenda que devia estar lá. Era uma garrafa de champanhe que ele havia encomendado para fechar aquele dia de comemorações.

A noite transcorreu na mesma paz serena da tarde no parque. Namoraram no sofá, jantaram, tomaram um bom banho e guardaram o estouro da champanhe para a hora de irem para o quarto. A noite estava só começando, e seria bem agitada...

Nos dias seguintes, Hunter se dedicou aos negócios com o afinco de sempre, mas com a diferença de que voltara a se sentir feliz. Afinal, ele estava novamente com Clairy. Seria uma vida até que bem comum, não fosse por sua namorada ser uma bruxa e pela história ainda não resolvida (e cada vez mais estranha) dos assassinatos de artistas tais como Maria.

Ao final de uma tarde ensolarada, vendo o sol poente da janela de seu escritório, Hunter enviou uma mensagem para Clairy. Dizia que gostaria de vê-la naquela noite, mas que antes tinha uma reunião agendada com Jace. Se ela quisesse participar da reunião, ele não se oporia, embora preferisse ir sozinho (mas não contou isso na mensagem). Se ela não quisesse participar, ele mandaria uma mensagem ao final da reunião para combinarem o encontro. "O que vc me diz, amor?", era a frase final que enviou a ela.

Hunter gostou por Clairy não ter se oferecido para ir à reunião. E ficou um tanto surpreso - agradavelmente - pelo convite para ir jantar na casa dela. Sempre achou que ela não se animava muito com a ideia de recebê-lo lá, e pensava que devia ser por conta daquele “outro mundo”. Com alegria, respondeu à mensagem:

"Ora, fico muito feliz com o convite! E quero provar sua comida. Vou até levar um champanhe especial que eu tenho guardado em casa para comemorarmos a ocasião. Bjos".

Ele ainda tinha um leve sorriso no rosto quando entrou em seu carro, pensando em como o final de noite prometia ser agradável. Mas o sorriso logo se dissipou quando ele seguiu para a delegacia de polícia, onde Jace o aguardava. "Ir pra aquele lugar pela milésima vez é de acabar com o humor de qualquer um. Mas ir pra lá falar com um… vampiro! É demais!". Mas conseguiu consolar a si mesmo pensando que, vampiro ou não, Jace era o único que tinha conseguido fazer as investigações caminharem naquele tempo todo. "Vamos ver se ele tem mais novidades…", pensou, com uma leve esperança.

Uma grande diferença entre lidar com Jace e com todos os outros detetives antes dele era que, agora, Hunter esperava muito menos para ser atendido. Um alívio e tanto, especialmente para pessoas impacientes como Hunter. Nem bem esquentou a cadeira da sala de espera, já foi chamado para a reunião.

Ao entrar no escritório, viu que Jace estava acompanhado de Alec, o qual Clairy já havia alertado se tratar do líder dos vampiros. "Se os parasitas estão assim tão preocupados com o caso, então o ou os assassinos de Maria devem ser da raça deles mesmo", pensou.

Talvez para quebrar o gelo, Jace ofereceu um café, e Hunter prontamente aceitou. Houve um minuto de silêncio um tanto desagradável enquanto esperavam que o contínuo viesse servir a bebida e saísse novamente.

Hunter estava ali para ouvir, muito mais do que para falar, ao contrário do que acontece nas suas reuniões com os funcionários da empresa. Enquanto ouvia e tomava um gole de café, lembrou-se de que, da outra vez em que participou de uma reunião com ambos, Jace e Alec tomaram algo em xícaras. "Vampiro também bebe café ou será que…?". Aquela pergunta mental lhe causou repulsa, então ele a afastou da cabeça: "Foco, Hunter, foco", disse para si mesmo.

Com expressão impassível, mas grande curiosidade e expectativa, ouviu o que tinham para lhe dizer.

Pelo modo como Jace e Alec começaram a conversa (especialmente pelo tom seco na voz do segundo), Hunter avaliou que eles não deviam ter gostado muito de Clairy ter revelado sobre vampiros. Mas limitou-se a dar um gole no seu café (que estava forte, como ele sempre gostou) enquanto escutava.

Começaram dizendo que havia a suspeita de que o criminoso fosse um vampiro, o que não surpreendeu Hunter nem um pouco. Mas ele ficou surpreso quando Alec disse que precisariam de sua ajuda. E arregalou os olhos com grande surpresa quando Jace explicou a natureza da ajuda!

Levantou-se de repente, aturdido. De forma inconsciente, olhou para as xícaras sobre a mesa. A de Jace já estava quase vazia, então não era possível ver seu conteúdo. Mas a de Alec ainda estava cheia, e ele pôde ver que havia café ali. Sentiu um pequeno alívio, mas nem registrou essa emoção mentalmente, pois saber que se tratava de uma bebida normal era irrelevante frente à proposta inusitada que lhe tinham feito.

Ele cruza os braços pensativo e, olhando para o chão, caminha uns poucos passos no meio do escritório, formando uma trajetória circular. Parou e, para não demonstrar demais seu nervosismo, voltou a sentar-se.

- Uma isca?! Ainda por cima, agindo às escondidas de Clairy, a única pessoa em quem eu confio de verdade? Vocês tão me pedindo muito mesmo...

Hesitou muito em dar sua resposta. Já seria perigoso servir de isca para a polícia pegar um serial killer, mas imagine-se o risco de servir de isca para um morto-vivo sanguessuga! Ainda assim, ele havia esperado tempo demais para ter a chance de ver a justiça ser feita… ou, pelo menos, para ter uma vingança contra quem destruiu a vida de Maria. Mas esconder coisas da Clairy… Era difícil de aceitar.

O desejo de poder agir, mas sem omitir informações para Clairy, fez ele encontrar um meio de conciliar seus desejos conflitantes. Pensou: "Eu não preciso esconder o plano só porque prometi esconder. Posso concordar com eles e, depois, contar o que eu quiser. Mas e se ela não quiser me deixar participar por medo do que pode me acontecer? Talvez eu estrague tudo contando. Bom, depois eu penso nisso. Por enquanto, vou concordar com o segredo, depois eu decido se conto ou não".

- Muito bem, senhores. Sei do risco que estou correndo, mas vou cooperar. Não quero que ninguém mais sofra o que a Maria sofreu.

A questão do segredo era de fato muito importante para os vampiros, conforme ficou claro quando falaram, ainda que por alto, das consequências que poderiam advir caso ele comentasse algo com Clairy. A conversa foi deixando Hunter bastante tenso, sobretudo quando frisaram que, apesar de todo o apoio que ele ia receber, sua vida estaria em risco. Num tom um tanto amargo, respondeu:

- Tem um ditado, que se aplica bem ao mundo empresarial, que é o seguinte: quando os elefantes brigam, quem se machuca mais é a grama. Vou ser bem sincero: não me incomodaria nem um pouco de saber que lobos e sanguessugas andam em guerra uns com os outros se isso não significasse muitas mortes entre os humanos também. Mas é fácil prever que sobraria pra nós. Então, vou arriscar meu pescoço e vou guardar segredo também, mas não por vocês. Me contem os detalhes do que planejaram.

Com um semblante sério, ele ouve tudo atentamente.